08/05/2012
Após um dia de mobilizações, centrais sindicais, movimentos sociais, governo e artistas se frustram com o adiamento da votação
Escrito por: Marize Muniz
Apesar das mobilizações dos movimentos sociais, parlamentares e artistas
e da pressão do governo, da CUT, das demais centrais sindicais, MST e
Educafro a Câmara dos Deputados não votou nesta terça-feira (8) a PEC
do Trabalho Escravo, que expropria terras onde seja encontrado trabalho
em condições análogas à escravidão.
Um acordo entre os líderes dos partidos, tanto da base aliada quanto da
oposição, adiou a votação para esta quarta-feira. No ato político
realizado durante a manhã no auditório Nereu Ramos, onde recebeu um
abaixo assinado com quase 60 mil assinaturas e manifestos da CNBB e de
um grupo de artistas pedindo a aprovação da proposta, o presidente da
Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), havia se comprometido a
colocar o projeto em votação, mas deixou uma dúvida no ar.
"Como é uma emenda à Constituição, são necessários 308 votos. A
mobilização e o diálogo de convencimento com os deputados precisam ser o
dia inteiro. Temos uma grande maioria favorável e uma pequena minoria
de oposição. Mas uma parcela significativa está indecisa".
À tarde, alguns líderes partidários pediram um tempo para negociar com o
Senado a alteração na PEC, garantindo que a expropriação só se dará em
obediência a lei específica.
A
reação dos dirigentes CUTistas e das lideranças do movimento social foi
imediata. Enquanto a PEC 438 não for aprovada, as mobilizações vão
continuar.
Para o presidente da CUT, Artur Henrique, "não podemos colocar o Brasil
no rumo do desenvolvimento sustentável, com justiça social e ambiental e
valorização do trabalho, se não acabarmos definitivamente com o
trabalho escravo".
"Precisamos acabar com esta mácula que não combina com um país
desenvolvido", completou Júlia Nogueira, secretária de Combate ao
Racismo. Segundo ela, "a aprovação da PEC representa a vitória dos
direitos humanos, do trabalho decente".
Junéia Martins, secretária Nacional de Saúde do Trabalhador da CUT,
ressaltou que "é preciso valorizar o trabalhador, resgatar a dignidade, a
cidadania da classe trabalhadora e colocar o país em outro patamar".
O secretário de Políticas Sociais da CUT, Expedito Solaney, disse que a
aprovação da PEC é "uma obrigação do governo democrático-popular e
completa o ciclo de desenvolvimento do país". Ao falar das conquistas na
área social dos últimos anos, ele disse que "é indmissível que ainda se
permita trabalho análogo a escravidão no Brasil".
No auditório, lideranças e militantes do MST, CUT, outras centrais e
Educafro, dentre outras, deram o recado. As palavras de ordem, cantadas
por mais de 300 pessoas também chamaram a atenção para a contradição
entre desenvolvimento e condições de trabalho análogas à escravidão:
"Brasil, sexta potência, mas contra escravidão demonstra incompetência",
Entre os artistas presentes, estavam os atores Osmar Prado, Marcos
Winter, Pricila Camargo e Leticia Sabatela. Todos falaram sobre a
importância dos deputados aprovarem o fim desta forma cruel de
degradação humana.
A
ministra Luiza Bairros, da Secretaria de Igualdade Racial, falou sobre a
profunda contradição da nossa sociedade que, "em pleno século XXI ainda
está tentando votar esse tipo de proposta, passados 124 do fim da
escravidão".
Também discursaram os ministros Brizola Neto (Trabalho) e Maria do
Rosário (Direitos Humanos) e os deputados Domingos Dutra (PT-MA) e
Claudio Puty (PT-PA).
PEC do Trabalho Escravo
A
PEC 438/01 prevê o confisco de propriedades e dos bens onde for
encontrado trabalho escravo. A propsota foi aprovada pelo Senado em 2003
e, em primeiro turno, pela Câmara dos Deputados, em agosto de 2004.
Desde então, os brasileiros aguardam o segundo turno da votação.
Segundo o texto da emenda, as terras dos escravagistas serão destinadas à
reforma agrária ou a habitação popular e os recursos obtidos com a
venda dos bens serão colocados em um fundo cuja finalidade será definida
em lei. Não está prevista nenhuma indenização para os donos dessas
propriedades.
Desde março deste ano, está funcionando na Câmara uma Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) do Trabalho Escravo, criada para
investigar denúncias sobre essa prática com base na chamada “lista suja”
elaborada pelo Ministério do Trabalho. Constam da lista 291
empregadores acusados de explorar mão de obra sem respeito aos direitos
trabalhistas ou humanitários. A CPI é presidida pelo deputado Cláudio
Puty (PT-PA). O relator é o deputado Walter Feldman (PSDB-SP).
Diferença entre trabalho escravo e trabalho degradante
O trabalho escravo, ou em condição análoga, é aquele que sujeita o
trabalhador, independentemente de consentimento, ao empregador - tomador
dos serviços ou preposto -, mediante fraude, violência ou ameaça, de
quaisquer espécies.
Muitas vezes, o trabalhador não consegue desligar-se do serviço porque
tem supostas dívidas com o empregador. Na verdade, o trabalhador é
obrigado a usar mercadorias ou serviços fornecidos pelo próprio
empregador.
É frequente a imposição do uso de habitação coletiva insalubre, a
retenção de salários, documentos pessoais ou contratuais, maus-tratos e
grave sofrimento físico ou moral.
Trabalho escravo é crime previsto no artigo 149 do Código Penal. De
acordo com dados oficiais do Ministério do Trabalho e Emprego, desde
1995, mais de 42 mil pessoas foram libertadas dessas condições pelo
Estado brasileiro.
Explicações na ONU
A definição pode ocorrer justamente no mês em que a Organização das
Nações Unidas (ONU) cobrará, em Genebra, explicações do Brasil por
diversas violações de direitos humanos. Entre elas, a existência de
trabalho escravo.
De acordo com dados do Ministério do Trabalho, entre 2005 e 2010 foram
resgatadas 17 mil pessoas em situação de trabalho escravo, uma afronta à
Constituição, que determina a obrigação de toda propriedade rural ou
urbana cumprir função social.
A CUT, que desde a criação tem como um dos pilares a luta por uma
sociedade mais justa e igualitária,participa, desde 2008, do Pacto
Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil.
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