Roberto Carvalho[1]
Recentemente,
a Prefeitura de Belo Horizonte enviou para a Câmara Municipal
o Projeto de Lei 1.698/11, que trata da venda de 120 imóveis, entre
eles duas ruas, como brilhantemente reportado pela jornalista Aline
Maciel, do Estado de Minas, em matérias publicadas nos dias 15 e 16 de
maio.
Infelizmente,
a prática é recorrente, já que ano passado, mesmo com veemente
protesto dos moradores locais, a PBH e a Câmara Municipal conseguiram a
comercialização de um trecho da Rua Musas.
Neste
cenário confuso, em que o primeiro setor começa a se desfazer do seu
patrimônio para angariar recursos de que ele já dispõe, fica a
pergunta: qual o verdadeiro papel do poder público em um município? Não
seria o de promover, preservar, incentivar e resgatar os espaços
públicos, cada dia mais escassos? Poderíamos, ainda, evocar a justiça
social, a dignidade dos cidadãos em situação de risco, desenvolvimento
sustentável, empregos, crescimento, mobilidade urbana, energias limpas,
convivência saudável, cultura, lazer, saúde, esporte e educação.
No
mundo inteiro, as grandes cidades têm recuperado os espaços públicos,
ao invés de vendê-los. No máximo, permutam para obter melhores locais
de disseminação da harmonia entre os habitantes, como praças, centros
esportivos, culturais, ecológicos e educacionais. Em nossa capital, tão
carente de espaços públicos, o que significa esta venda sem nenhuma
consulta popular, transformando patrimônio público em mera moeda para o
imediatismo do capital?
O
primeiro Plano Diretor de Belo Horizonte surgiu quase um século depois
da construção da cidade, no Governo Patrus, coordenado pelo Secretário
de Planejamento, Dr. Maurício Borges. Antes, a cidade foi,
gradativamente, perdendo seus espaços públicos sem nenhum controle e
planejamento. Porém, esta volta à estaca zero é ainda mais preocupante
quando percebemos que, nos últimos três anos, a PBH gastou bastante em
desapropriação para a construção de Unidades Municipais de Educação
Infantil (UMEIS) e ainda alega, atualmente, que não temos mais espaços
para construção de novas. Durante 16 anos, entre os governos Patrus,
Célio e Pimentel, a Prefeitura investiu recursos do seu orçamento para
construção de mais de seis mil unidades habitacionais para famílias de
zero a três salários-mínimos, sem contar com nenhum investimento dos
Governos estadual e federal. Agora, com total apoio do Governo Dilma,
por meio do programa “Minha Casa, Minha Vida”, que destina recursos
inclusive para a aquisição de terrenos, BH é a única capital do país
que não construiu nenhuma casa! Em tempo, a PBH justifica esse absurdo com a “falta de terrenos disponíveis”. Como, se estamos até vendendo alguns?
Soma-se
a esses disparates o fato de não termos nenhum espaço público
destinado a esportes olímpicos como natação, atletismo, artes marciais,
entre muitos outros que têm mudado a vida de milhões de jovens ao
redor do mundo, afastando-os das drogas e criminalidade, além de serem
práticas saudáveis para todas as idades.
Lembrando,
ainda, que a Rua Musas não foi o único patrimônio desfeito nessa
gestão. O Mercado da Barroca e o do Cruzeiro também foram colocados à
venda e, infelizmente, o da Barroca, de localização privilegiadíssima,
que poderia ter sido utilizado para construção de equipamentos públicos
para Saúde, Educação, Cultura, Esporte e Lazer, dando lugar a um
grande empreendimento privado. Dos locais a leilão neste novo projeto
de lei, duas ruas ocupadas ilegalmente por faculdades privadas serão
vendidas para os donos dos estabelecimentos de ensino. Qual a diferença
entre a ocupação irregular de uma empresa privada, em terreno público,
e a ocupação de famílias sem moradia nesses terrenos, como é o caso da
ocupação Eliana Silva? Por que para os cidadãos mais vulneráveis a
política a ser implantada é a desocupação truculenta, enquanto que
para setores privados vale a total colaboração do município? O que
significará para esta cidade colocar no mercado inúmeros terrenos,
muitos deles na zona sul, para a especulação imobiliária? Estamos
preparados para o adensamento imobiliário que se está propondo à
cidade?
Todos
sabem que nossa capital tem limites reduzidos, tendo que buscar
parcerias com outros municípios para resolver problemas graves, e que
não temos mais espaços para abrigar indústrias, por exemplo. Então, por
que não se discutir com a população, diante do que ainda resta de
espaços públicos, a melhor utilização desses locais e, se for o caso,
partir-se para permutas que possibilitem ao município ter reservas de
espaços? Se é que se pode falar nisso, pois, definitivamente, não temos
terrenos para os postos de saúde, escolas, centros esportivos, parques
ecológicos, postos policiais, praças e outras demandas essenciais da
população.
É
preciso que a cidade como um todo participe desta discussão. Ela é
vital para o nosso presente e futuro. BH, que nasceu para ser o belo
horizonte, cidade modelo no Brasil, a primeira cidade planejada do
país, corre o risco de se tornar uma cidade sufocada, sem espaços para a
vida.
Até
que ponto uma administração, que é passageira, pode se desfazer do
patrimônio que é de todos, deixando para as gerações futuras de nossa
cidade o problema da falta de espaços públicos? Uma cidade não se
vende. Uma cidade se constrói com a participação de todos os que são os
seus verdadeiros donos: seu povo.
As administrações são passageiras, a cidade é eterna, mas o patrimônio é de todos.
[1]
Vice-prefeito de Belo Horizonte, presidente do PT de Belo Horizonte.
Esse artigo foi publicado no Jornal Estado de Minas, em 21/05/2012, p.
9.
Nenhum comentário:
Postar um comentário