quinta-feira, 25 de junho de 2015

Marco Aurélio Carone: “Aécio foi a Caracas visitar golpistas. Já eu nem a família nem a Comissão de Direitos Humanos puderam me visitar”


por Conceição Lemes

Na quinta-feira passada, 18 de junho, Aécio Neves (PDSB-MG) e outros seis senadores brasileiros protagonizaram uma irresponsabilidade sem limite. Com o objetivo de provocar politicamente o governo Nicolás Maduro e constranger o de Dilma Rousseff, eles foram à Venezuela visitar Leopoldo Lopez e Antonio Ledezma, que a mídia brasileira trata como “presos políticos”.

O partido de Lopez, o Vontade Popular, não tem um deputado na Assembleia Venezuelana. Ele pretendia extinguir todas as instituições democráticas do país. Foi o principal incitador das “guarimbas”, manifestações violentíssimas que ocorreram no país no início de 2014, e que resultaram nas mortes de 43 pessoas.

Um membro do governo venezuelano denunciou a Miguel do Rosário, de O Cafezinho, que esteve lá na semana passada:

“Em 23 de janeiro de 2014, Leopoldo Lopez, Maria Corina Machado [deputada cassada] e Antonio Ledezma [prefeito de Caracas, também preso] identificados como a ala radical da oposição, convocam a imprensa para anunciar o plano que eles chamaram ‘La Salida’. O objetivo do plano era a deposição do presidente Nicolás Maduro. Houve pequenas manifestações inicialmente. Mas em 12 de fevereiro, deste mesmo ano, eles convocaram uma manifestação até o Ministério Público. Era o “dia da juventude” e a convocação foi voltada principalmente para os estudantes universitários. A convocatória foi feita por Leopoldo, ele veio encabeçando a manifestação, e quando chegaram diante da Procuradoria, os líderes sumiram e começou a bagunça. Quebraram a sede do ministério público, tentaram incendiá-la.”.

“Vários agentes da ordem foram executados com tiros na cabeça. Eles (os “guarimbeiros”) colocavam fios de arame de poste a poste, atravessando a rua, que provocaram a degola de vários motociclistas”.

Desde o Brasil, uma pessoa acompanhou com especial atenção a esparrela dos tucanos e agregados e a caradura de Aécio: o jornalista Marco Aurélio Carone.

Carone mantinha o site Novo Jornal, onde publicava denúncias contra os tucanos mineiros, especialmente Aécio, que governou Minas de 2003 a 2010.

Acabou preso. Ficou encarcerado de 20 de janeiro a 4 de novembro de 2014, no complexo penitenciário segurança máxima Nelson Hungria, em Contagem, região metropolitana de BH.

O bloco parlamentar Minas Sem Censura (MSC) denunciou à época: a prisão de Carone foi  uma armação e teve a ver com o chamado “mensalão tucano” e a Lista de Furnas no contexto das eleições de 2014.

Viomundo — O que te passou pela cabeça quando leu a notícia de que Aécio Neves iria à Venezuela visitar dois golpistas?

Marco Aurélio Carone – Tive certeza absoluta de que o senador é uma pessoa desprovida de qualquer principio ético e moral. Ele continua imaginando que, através de uma cobertura midiática favorável,  pode manter uma imagem desassociada da truculência e da censura. Mas não pode. Jornalistas mineiros sabem muito bem disso. E o que aconteceu comigo é a maior prova.  Permaneci preso em um presídio de segurança máxima por 9 meses e 20 dias, em condições sub-humanas, sendo que nos últimos três últimos – justamente no período eleitoral –, em isolamento absoluto.

Tudo sem qualquer condenação. Meu crime: Publicar matérias que denunciavam o esquema criminoso e corrupto montado por ele em Minas Gerais

Viomundo – Qual foi fundamentação para prisão?

Marco Aurélio Carone – Manutenção da ordem pública e evitar que eu continuasse a publicar matérias que, na opinião do Ministério Público  de Minas e da juíza que determinou a minha prisão, poderiam interferir negativamente nas eleições de 2014.

Meu jornal foi literalmente saqueado: os bens e documentos apreendidos sequer foram relacionados. Cabe destacar que, três meses antes da minha prisão, eu tinha ganho uma ação por acusação idêntica no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que determinara que o Novojornal com terminação .br, fosse restabelecido. Eu tinha sido impedido de funcionar igualmente por uma medida cautelar indevida e absurda. Decisão esta que até hoje não foi cumprida pelo Poder Judiciário e Ministério Público mineiros.

Viomundo – Uma provocação: Aécio foi te visitar na prisão?

Marco Aurélio Carone — O ‘democrata’ foi a Caracas visitar golpistas. Já eu, em Minas, nem mesmo minha família pode me ver. Até a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais foi impedida de manter contato comigo.

Meu tratamento cardíaco e de diabetes foi interrompido. Estava recuperando de uma cirurgia de quadril devido um acidente automobilístico. Não tive qualquer atendimento fisioterápico. Minha perna direita agora, quase sete meses depois, começa a dar sinal de que vai voltar a movimentar, permitindo que eu largue as muletas… Praticamente todo o tempo de prisão permaneci deitado.

Viomundo – Como está o processo contra você?

Marco Aurélio Carone — Parado.

Viomundo – A Globo foi à Venezuela acompanhar a visita de Aécio aos dois golpistas. Só que ela, assim como a mídia em geral, ignorou totalmente o que aconteceu com você, que foi realmente preso político do governo tucano de Minas. O que acha disso?

Marco Aurélio Carone — São coisas da vida, meu bisavô e avô já passaram por isso, assim como meu pai em 1964. Ele era prefeito de Belo Horizonte e foi cassado pelo golpe miliar. Embora dono de duas usinas de açúcar, devido ao bloqueio de seus bens, entrou em tremenda dificuldade financeira.

Minha família composta por mim, minha mãe meu pai, dois irmãos e uma irmã, fomos morar em um quarto do Hotel Amazonas em Belo Horizonte. À noite, meu pai descia comprava uma pratada de macarrão e todos nos comíamos satisfeitos. Não poucas vezes, no dia seguinte, os jornais Estado de Minas e Diário da Tarde estampavam na capa manchetes dizendo que meu pai tinha sido cassado porque roubara. Respondeu 14 processos sem sair do Brasil. E em pleno regime de exceção foi absolvido.

Talvez daqui alguns anos quando fizerem uma nova comissão da verdade meu caso seja citado pela grande imprensa.

terça-feira, 23 de junho de 2015

O espetacular fiasco da capa da Época que prometia o fim da República. Por Paulo Nogueira

Sobre o Autor
O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.


Quando cheguei à Editora Globo como diretor editorial, em 2007, topei com uma coisa que jamais imaginara ver na carreira.
A Época era a campeã de reclamações no Procon por causa de uma promoção em que prometia – ia escrever dava, mas não era bem o caso – um dvd para quem a assinasse.
Emails de queixas transbordavam dos canais normais da editora – assinatura etc – e, sem resposta, acabavam chegando aos editores.
Foi uma das maiores trapalhadas que presenciei no jornalismo e no mundo corporativo como um todo.
A Globo simplesmente não conseguia entregar os dvds, por conta de um planejamento esdrúxula e uma logística ainda pior.
E em vez de leitores tínhamos, na revista, compradores de dvs. Nas pesquisas com leitores, era constrangedor constatar que eles não liam a revista: simplesmente a recebiam por causa do brinde.
Por trás da operação estava o bom, o competente Fred Kachar, hoje diretor geral da editora e responsável por administrar a agonia dos títulos da casa.
Bem, lembrei dos dvds não entregues por causa da edição da semana passada.
A Época prometia, desta vez, não dvds, mas uma coisa muito maior: o fim da República, por conta da prisão do dono da Odebrecht.
Ele supostamente contaria tudo e a República acabaria.
O pobre leitor da Época passou o final de semana contando para os amigos que a República chegaria ao fim na segunda. E eis que não acontece nada senão uma reação fortíssima da Odebrecht que bate, como jamais ocorrera até aqui, nos fundamentos da Lava Jato.
Antes, a revista não entregou os dvds. Agora, sonegou o fim da República.
Os leitores deveriam se dirigir, de novo, ao Procon.
A sonegação virou, merecidamente, piada na internet.
Mas o bonito foi ver a reação do editor da Época, o Kim Kataguiri do jornalismo, Diego Escosteguy.
No Twitter, onde passou a fazer militância antipetista em vez de jornalismo, ele se manifestou, depois do fiasco, como um Napoleão das notícias.
Se a República de fato houvesse caído, ele não poderia estar mais autocongratulatório do que está.
Postou uma foto de Lula na Odebrecht, como se isso fosse revelador. Você encontra foto de toda a elite política na Odebrecht, ou na companhia de seus donos.
Disse que pegou o apelido de Brahma para Lula. Ora, quem não tem apelido?
Vou dar uma informação a ele. Na Editora Abril, seus patrões, os irmãos Marinhos, eram chamados por Roberto Civita de Três Patetas.
Uma vez, na saída de uma reunião do Conselho Editorial da Globo, José Roberto Marinho correu até mim, incomodado, para me perguntar se era verdade que Roberto Civita os chamava de Três Patetas.
Escosteguy é um exemplo da miséria jornalística que tomou as grandes empresas de mídia na louca cavalgada para derrubar o PT.
Você ascende não pelo talento, mas pela disposição em promover um valetudo contra o PT. A competência exigida é apenas esta – o antipetismo incondicional.
A Época conseguiu, por exemplo, publicar uma pesquisa no começo do segundo turno de um certo Instituto Paraná de acordo com a qual Aécio já estava eleito, tamanha a diferença que estabelecera.
Os assinantes minguam, as vendas em bancas minguam. Mas isso não é problema para Escosteguy, assim como o Ibope pavoroso não é problema para Ali Kamel.
Deles não se espera qualidade e nem a audiência que só a qualidade traz.
São pagos para matar.
Se um dia perderem o emprego será por terem fracassado nisso – matar o PT.
Fonte: DCM

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Há um surto hipócrita no país. E Dilma deve usar demagogia em favor do trabalhador

Fernando Brito

A direita brasileira, com a mídia tocando seu bumbo para arrebanha-la e criar um clima de histeria, não esta apenas se lixando com o equilíbrio das contas públicas.

Trabalha contra ele e para que ele retire do Brasil as condições de progresso econômico e social construídas na última década.

Exige, em furioso e implacável coro, o superávit nas contas públicas; ao mesmo tempo em que apóia a mais voraz temporada de avanço do parlamento sobre a despesa pública, movida pelo poder que se deu às suspeitíssimas lideranças do Poder Legislativo.

Ninguém discute, ao contrário, a criação de um mecanismo que evite que os trabalhadores que iniciaram sua atividade em idade mais baixa não sejam prejudicados em seu merecido retiro. É preciso fazê-lo e o próprio ministro da previdência, Carlos Gabas, o anunciou nos seus primeiros dias no Ministério.

Mas, em lugar de um projeto que desse a quem merece tirando de quem pode contribuir mais, fez-se um “contrabando” barato, enfiando o fator previdenciário 85/95 sem fontes de financiamento, sem discussão e sem responsabilidade.

Ao contrário, sob o comando do lobo Cunha, derrubaram-se até mesmo providências mínimas para aliviar a Previdência, como a de deixar o primeiro mês de licença de saúde por conta do empregado, na mesma votação em que se aboliu o fator previdenciário criado por Fernando Henrique.

Agora, com enorme hipocrisia, surgem os editoriais, como o da Folha e o de O Globo, defendendo que se aja com “responsabilidade com o futuro”, coisa que, todos os dias, eles desprezaram e combateram em sua onda histérica.

Mas está feito e não adianta tentar ser exclusivamente racional em meio ao surto demagógico com que o Brasil lida, neste instante.

Vetar será inútil e desgastante, não apenas porque é injusto com quem está trabalhando há muitos anos e às profissões que mais exigem fisicamente do trabalhador, porque é completamente diferente ser um intelectual ou um pedreiro aos 60 anos de idade.

É preciso, porém, deixar claro que se vai ter de arranjar quem pague pela mudança, e este alguém não pode ser o trabalhador mais humilde, seja o que contribui, seja o beneficiário do INSS que não pode correr o risco de que não haja com que pagá-lo.

Há quem possa fazê-lo, sem nenhum sacrifício.

Há quem não possa fazer mais nenhum.

Mas parece que, neste país, os grandes patrimônios são “sagrados”, embora se formem com o trabalho de seres humanos e com riquezas naturais que a todos pertencem.

A política, quando se lhe nega o exercício numa comunhão de responsabilidades, como convém a um país onde todos têm o objetivo comum de progresso – o que falta à elite brasileira -,  deve levar em conta as habilidades da “arte suave” criada pelos japoneses, que hoje é conhecida como jiu-jitsu:

O movimento será utilizado para criar as situações de perda de equilíbrio do adversário, o que lhe proporcionará a oportunidade de atacá-lo enfraquecido, pois sem equilíbrio não existe a força.

O equilíbrio próprio deve ser mantido sempre para que se tenha controle dos movimentos e para que se chegue com mais facilidade às posições de alavanca.

A alavanca é usada para ampliar sua força e lhe permitir mover seu adversário ou mesmo atacá-lo.

E, para isso, é preciso que se mostre a todos quem é o adversário.

Fonte: TIJOLAÇO

terça-feira, 16 de junho de 2015

O Globo “veta” avião da FAB em Caracas e os picaretas pegam carona


Fernando Brito
Agora, jornal funciona assim: existe uma possibilidade de que algo ruim para o Governo aconteça?
Então vai acontecer.
Se não acontecer, é porque os “malvados” voltaram atrás e desistiram da “maldade”.
Agora, no caso da negativa de autorização para que um avião da FAB levasse senadores de oposição para fazer provocações políticas na Venezuela.
Não houve nenhuma negativa para o pouso de um avião da FAB, mesmo com esta carga, no aeroporto de Maiquetia, na capital venezuelana.
(aliás, também não havia qualquer razão para um vôo militar, pois há avião todo dia de São Paulo a Caracas e ida e volta saem por R$ 1.500)
Agora, o PSDB e o Dem falam em fretar um jatinho, com o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), dizendo que “é até mais seguro” que um avião da FAB.
Picareta, quando perguntado se não confiava nos militares brasileiros, disse que estava “pensando alto”.
Mais picareta ainda é o jornal, que deu manchete para o tal “veto”, do qual não tinha uma informação concreta, ao ponto de que os próprios senadores dizem não saber a respeito. Aécio Neves deu entrevista ontem sobre a viagem e nem mencionou isso.
Agora só falta a nova manchete: “Venezuela recua e permite que FAB leve senadores a Caracas”.
É como aquela do Itamarati “liberando” os documentos que não haviam sido retidos.
“A volta dos que não foram”.
No meu tempo, a gente dizia que “barriga” jornalística assim dava demissão.
Agora, dá promoção.

Fonte: Tijolaço

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Nem Judas, nem Cristo

Por Wladimir Pomar*

A presidente Dilma tem razão: o ministro Levy não pode ser considerado um Judas. Ele realmente não está traindo ninguém. Está cumprindo rigorosamente o pensamento e as diretrizes de sua escola econômica, o neoliberalismo. Está sendo plenamente fiel a ela e à sua base social, a grande burguesia internacional e nacional.
Já o vice-presidente Temer exagerou: o ministro Levy não pode ser considerado um Cristo. O Cristo nascido na época do Império Romano lutou pelos pobres e foi crucificado por isso. Nada tem a ver com o ministro Levy, que aplica uma política parecida com a de Pilatos, de arrancar o couro dos pobres para manter intocada a riqueza dos ricos. O ministro Levy, assim como a presidenta Dilma e o vice-presidente Temer, não podem sequer argumentar que o único caminho possível para fazer o ajuste é o atualmente seguido.
Não vamos nem argumentar que o ajuste seria desnecessário se o governo não houvesse aplicado uma política de desonerações para beneficiar a indústria automobilística dominada por um cartel de multinacionais. Se as contas forem feitas, os setenta bilhões reclamados pelo ministro Levy poderiam estar no cofre do governo se aquelas desonerações não houvessem sido aplicadas.
Mas isso é passado e vamos supor que o ajuste seja mesmo necessário. Se a sociedade brasileira fosse minimamente igualitária, todos poderiam contribuir de forma equivalente. Mas a sociedade brasileira não é apenas extremamente desigual. Ela é extremamente injusta e regressiva, porque normalmente são os salários, isto é, os trabalhadores, que pagam mais impostos do que a renda do capital, isto é, a burguesia.
E é nisso que consiste a aberração do ajuste aplicado pelo ministro Levy, com autorização da presidente Dilma e apoio do vice-presidente Temer. Os únicos que vão pagar o ajuste são os trabalhadores, seja porque é dos direitos deles que vão ser arrancados os bilhões calculados pelos ministros da Fazenda e do Planejamento, seja porque o ajuste já está causando desemprego, ajustes de preços e outros efeitos perversos que recaem apenas sobre os trabalhadores.
Não se tem notícia de qualquer medida proposta pelo ministro Levy destinada a retirar um tostão sequer das grandes fortunas existentes no Brasil. Ao contrário, as medidas adotadas pelo Banco Central elevando as taxas de juros são ótimas para aumentar ainda mais essas fortunas, e também fortunas estrangeiras, acostumadas não a investir na produção, mas a multiplicar seu dinheiro com a renda dos juros. Os argumentos para justificar essas elevações, porém, aparentam ser justos. Segundo os membros do Conselho Monetário Nacional, o ministro Levy e os comentaristas abalizados do Partido da Mídia, a elevação dos juros seria necessária para combater a inflação, algo que ninguém deseja.
E ninguém pode negar que, subindo os juros, pode-se controlar a inflação. Afinal, juros altos causam redução da atividade econômica. As compras caem, ou desabam. Em consequência, a demanda de bens se reduz, equilibrando-se com uma oferta menor e mantendo os preços sob controle. Mas pouca gente tem coragem de dizer que isso paralisa o crescimento econômico, aumenta o desemprego, incrementa a miséria. Tendo em conta essa realidade, o ministro Levy não se cansa de dizer que o ajuste se destina a reorganizar as finanças para “retomar o crescimento”, embora não tenha qualquer certeza disso.
Mas ele também poderia explicar, e tem capacidade para isso, que há outros caminhos para controlar a inflação. Ele, assim como todos os economistas, sabe que a inflação tem sua raiz em alguns desequilíbrios econômicos. Um deles é o desequilíbrio entre o dinheiro em circulação e a riqueza material produzida. Nesse sentido, se o governo emite muito dinheiro e seus gastos têm pouco efeito no aumento da produção da sociedade, há aumento da inflação. Outro desequilíbrio é o que pode ocorrer entre a oferta de bens e a demanda efetiva. Se esta demanda, ou procura, sobe muito mais rápido do que a oferta dos produtos demandados, os preços tendem a subir e a inflação também.
No Brasil nós temos os dois casos. Após os anos de neoliberalismo oficial dos governos de Fernando Henrique, que quebrou grande parte da capacidade produtiva industrial brasileira e legou uma divida externa monstro, o governo Lula se aproveitou de uma situação internacional favorável. Obteve saldos elevados no comércio internacional, principalmente com as exportações de minérios e commodities agrícolas. O que permitiu reduzir a dívida externa, reorganizar as finanças internas, implantar uma política social de elevação do salário mínimo e de redistribuição de renda para reduzir a miséria, e iniciar uma política de aceleração do crescimento econômico através de obras em infraestrutura.
Em outras palavras, o governo Lula estimulou o crescimento econômico através do aumento do consumo, ou da demanda, na esperança de que os capitalistas elevassem a produção e fizessem com que a oferta mantivesse equilíbrio em relação à demanda. No entanto, os capitalistas agrários investem principalmente na produção de commodities para o mercado internacional, ficando por conta dos agricultores familiares e pequenos capitalistas agrários a produção dos alimentos para o mercado doméstico.
Para que estes agricultores conseguissem elevar sua produção ao nível do crescimento da demanda alimentar promovida pelas políticas sociais teria sido necessária uma política muito mais firme de apoio a eles. Isto, tanto técnica quanto financeira e comercialmente. Na ausência disto, e de outras medidas relacionadas com o monopólio das sementes e dos fertilizantes, o desequilíbrio entre a oferta e a demanda se manifestou nos picos inflacionários do tomate, do pepino, do feijão etc etc.
No setor industrial de bens de consumo corrente, ou não duráveis, os problemas foram ainda maiores porque as indústrias do setor ou são oligopolizadas, ou não mais existem, porque quebraram durante os anos 1990. Ou, ainda, porque sua rentabilidade continuou menor do que a rentabilidade na aplicação no mercado financeiro. Entre o risco do investimento na produção e a pseudo segurança dos juros do mercado financeiro, os capitalistas, com raras exceções, preferiram ganhar no sistema financeiro. Assim, o desequilíbrio entre a oferta desses bens de consumo e o crescimento mais rápido de sua demanda manteve pressão permanente sobre a inflação.
Desequilíbrios idênticos ocorreram em relação ao aumento das demandas de serviços urbanos de transportes, moradia, saúde, educação, lazer etc, cuja oferta cresceu pouco, ou cresceu com qualidade inferior. Ou, pior ainda, cresceu com preços de rentabilidade similares aos do mercado financeiro.
Esses desequilíbrios, aparecidos durante o governo Lula, aumentaram durante o governo Dilma. Primeiro, em virtude da crise internacional, que reduziu os ganhos da balança comercial brasileira. Depois, pela ausência de correção da estratégia de crescimento via consumo e sua substituição por uma estratégia de crescimento que combinasse uma política de investimentos industriais e em infraestrutura urbana e nacional, com a política de elevação do consumo.
Tal estratégia exigiria a adoção de políticas direcionadas a evitar os investimentos estrangeiros de curto prazo e de aquisição de plantas ou serviços já existentes, e seu direcionamento para a construção de novas plantas produtivas ou de serviços que necessitem melhorias. No entanto, nada disso foi feito e mesmo uma pesquisa artificial colocará à mostra um processo de desnacionalização de indústrias, comércios e serviços que há muito não se assistia no país.
Bem vistas as coisas, estão delineados dois caminhos para o Brasil dos próximos anos. O primeiro é a continuidade do plano Levy de ajuste que arranca o pelo dos pobres e, também, dos remediados. Acompanhado das reformas políticas e sociais de retrocesso da Câmara e do Senado, talvez seja até possível obter algum crescimento pífio em 2017, mas nada que consiga sanar o estrago imposto às camadas populares. E o cenário mais provável será o retorno das forças conservadoras e reacionárias ao governo, em 2018.
O segundo é a realização de um cavalo de pau na atual política econômica. Ou  seja, a adoção de uma estratégia de ajuste que retire recursos de quem tem demais e pode gastar em festanças de milhões de dólares, e de uma estratégia de desenvolvimento econômico e social que combine juros compatíveis com rentabilidade.
Isto, para estimular os investimentos externos e internos para ampliar a industrialização, a agricultura alimentar, a infraestrutura urbana (transportes, moradia, educação e saúde), a infraestrutura nacional (ferrovias, portos, rodovias, energia, meio ambiente), e manter um crescimento adequado do emprego e do consumo. Essa é a política que permitirá enfrentar com sucesso as tendências conservadoras e reacionárias do parlamento e criar um ambiente favorável para a manutenção das forças de esquerda no governo federal.
Se o ministro Levy estiver disposto a aplicar um cavalo de pau desse tipo, ele conseguirá a proeza de ser chamado de Judas pelos neoliberais e pela grande burguesia internacional e, ao mesmo tempo, de Cristo por camadas populares propensas a enxergar milagres onde apenas existe a ação humana.

* Wladimir Pomar é escritor e analista político