quinta-feira, 28 de abril de 2016

Lula: Impeachment é conduzido por “quadrilha” legislativa

Em fala em seminário, o ex-presidente agradeceu à imprensa internacional pela cobertura que está fazendo da crise política





Foto: Paulo Pinto/Agência PT



Em uma mensagem para lideranças progressistas de todo o mundo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva garantiu que o PT não vai parar de defender a democracia. “Nós do PT vamos resistir e vamos lutar. Com a democracia não se brinca”, afirmou ele, ao criticar a postura do Congresso Nacional: “uma quadrilha legislativa implantou o caos no Brasil”.

Lula analisou que uma “quadrilha legislativa”, comandada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), promoveu a agenda do caos para desestabilizar o governo eleito. Lula lembrou que o processo do impeachment foi aberto por Cunha em um ato de vingança contra os deputados do PT que se recusaram a acobertá-lo. “Eles (a oposição) não se importam com o país, apenas com um projeto de poder”, afirmou.

Ele participou, ao lado do presidente nacional do PT, Rui Falcão, em São Paulo, do seminário “Democracia e Justiça Social” da Aliança Progressista, uma rede de partidos e organizações de todo o mundo.

Lula disse estar frustrado com pessoas que foram exiladas durante a ditadura e lutaram para restabelecer a democracia, mas estão tendo agora a mesma postura que seus algozes tiveram em 1964. “Naquele tempo ainda tinha o poder de força dos militares. Hoje, é um gesto livre e espontâneo da direita”, disse ele. O ex-presidente afirmou que o argumento da direita para derrubar governos democráticos é sempre o mesmo: “combater a corrupção“.

O ex-presidente ainda lembrou que a presidenta Dilma Rousseff não cometeu nenhum crime de responsabilidade e que erros de governo e crise econômica não são motivo para derrubar governos democraticamente eleitos. “Temer é constitucionalista. Ele sabe que a Dilma não cometeu nenhum crime”, afirmou. “Caçar a Dilma é uma possibilidade de caçar o PT e impedir que o PT volte ao poder depois”.

Lula agradeceu à imprensa internacional pela cobertura que está fazendo da crise política,  apontando as injustiças cometidas no processo contra Dilma.

Para Lula, a elite brasileira não suporta tanto tempo de democracia. “Vai ter muita luta, muito combate democrático”. “Não é possível aceitar que seis jornais digam o que é bom para o Brasil. O povo tem que dizer o que é bom para o Brasil. O povo que pôs um ex-metalúrgico no poder, um índio no poder na Bolívia, uma mulher no Chile, na Argentina e no Brasil”, disse ele.

Lula ainda avaliou que o mundo está carente de lideranças políticas e que a saída para a crise econômica é eminentemente política e não técnica. Segundo o ex-presidente, na época em que participava dos fóruns mundiais como o G-8 e G-20, ele percebeu que os governos eleitos se subordinavam aos burocratas. “A impressão que eu tive é que a governança foi terceirizada”, disse ele.

Ainda segundo ele, o mundo desenvolvido não soube fazer medidas para efetivamente combater a crise mundial. “Estamos vivendo uma crise de desemprego sem precedentes e vendo o mundo rico fracassado”, disse. “Achei que europeus e americanos saberiam lidar com a crise porque sabiam resolver a crise do Brasil na década de 1980. Mas quando a briga é na sua casa você vê que é muito mais difícil”, disse ele.

Em 2008, o ex-presidente defendia que os governos não tomassem medidas protecionistas que travassem o comércio mundial. Mas foi exatamente o que ocorreu, agravando a crise econômica.

Lula também afirmou que a América Latina está retrocedendo não só do ponto de vista econômico como também da democracia, com ameaças no Brasil e em outro países vizinhos.

Consciência Democrática
Luiz Dulci, diretor do Instituto Lula e ex-ministro da Secretaria Geral da Presidência da República (2003-2010), leu parte do discurso do ex-presidente Lula, que pôde falar menos tempo por causa de problemas de voz.

Por meio de Dulce, Lula afirmou que o que está em jogo no Brasil hoje é interromper um processo histórico que levou à democracia e à melhoria de vida das pessoas de quase todos os países da região.

“O que aconteceu foi uma revolução pacífica comandada pelo voto popular”, afirmou. “Tiramos o Brasil do Mapa da Fome. Criamos 20 milhões de vagas de emprego. Abrimos as portas das universidades para quem não tinha acesso. Reduzimos as diferenças entre os que tudo tinham e os que nada tinham”, afirmou. Nesse período, de acordo com o ex-presidente, Brasil e América Latina tornaram-se atores globais.

Mas esse processo, lembrou Lula, está ameaçado pela tentativa de golpe. “Enquanto o governo trabalhava para reequilibrar as contas públicas, por 18 meses a oposição trabalhou numa sabotagem do Legislativo, com a cumplicidade de meios de comunicação”.

No discurso, Lula lembrou que em contraposição a esse movimento, a consciência democrática se manifesta cada vez mais. Ele afirmou que a população já não aceita mais a cobertura parcial dos grandes meios. “O Brasil é maior que a mentira e a manipulação”, afirmou.

Lula também reforçou que o PT ajudou a fortalecer as instituições de controle como o Ministério Público e a Polícia Federal e que os golpistas querem voltar ao reino da impunidade.

Segundo ele, a opinião pública mundial já percebeu as injustiças desse processo e as ameaças à democracia. “A sociedade brasileira saberá reagir ao esbulho da Constituição”. Lula lembrou de todo o processo social desde as Diretas Já até a Constituinte em 1988, e que hoje os golpistas estão rasgando a Constituição cidadã feita depois de tanta luta. “O que ocorre é uma farsa. O direito de defesa da presidenta foi reduzido à mera formalidade”, afirmou.

Ainda segundo o ex-presidente, os governos progressistas no mundo estão acossados por novas formas de golpe. “Vamos instaurar a velha ordem? Ativar a bomba-relógio da fome?”, questionou. “Peço a todos que levem a mensagem para seus países que a sociedade brasileira vai resistir ao golpe e não vai reconhecer um governo que não veio pelo golpe popular”, afirmou.



Por Clara Roman, da Agência PT de Notícias

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Valter Pomar: A conjuntura nacional e o momento histórico

No dia 18 de abril de 2016, no Centro Cultural Esperança Vermelha, em Campinas/SP, realizou-se debate sobre a conjuntura nacional e o momento histórico, com a contribuição de Valter Pomar. Confira os vídeos:

Parte 1

Parte 2


Fonte: PÁGINA13

O regime de força já respira entre nós

Engenheiros sociais já falam em cortar 15% do Bolsa Família e milícias da Fiesp executam o policiamento ideológico da Avenida Paulista.

por: Saul Leblon




A barbárie já respira entre nós. Da leitura atenta dos jornais, em ordem e com atenção inversa à pretendida pela edição, sente-se o sopro do regime de força a pulsar seu passo de ganso no metabolismo nacional.

O assoalho da democracia range, enquanto a narrativa dominante tenta naturalizar judicialmente o que é, na verdade, uma ruptura do chão institucional.

É possível ouvir a voz dos personagens icônicos da conspiração em marcha batida.

Já se vive em uma sociedade em que a suprema corte da justiça age como um anexo dos que, sem voto, se avocam a prerrogativa de ‘corrigir o voto popular’, na expressão feliz do ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica.

Tome-se personagens do calibre de um Gilmar Mendes, ou de Celso de Mello –dois retificadores empenhados em desasnar as urnas.

Ou aspirantes ao mesmo posto mas de estatura inferior, a exemplo de um Dias Tofolli, ou  Rosa Weber e Cármen Lúcia (‘não tenho prova cabal contra Dirceu – mas vou condená-lo porque a literatura jurídica assim o permite’).

O conjunto afasta qualquer ilusão em uma instancia isenta –a última instância a qual o impasse previsível do desenvolvimento em uma sociedade de desiguais poderia ser mediado em pé igualdade e em busca de um equilíbrio reordenador.

Os membros do STF cuidam diuturnamente de desautorizar a fé da sociedade nessa última instância também conhecida como justiça.

Diante do golpe em curso, o STF brasileiro se apresenta à sociedade não como um garantidor da lei e da Constituição

A cena que as togas protagonizam neste filme é a de um salão de chá de boçais que declamam afetação, enquanto um estupro coletivo acontece na sala ao lado.

O golpe tem como uma de suas âncoras fundamentais o combate seletivo à corrupção.

No PT, como se sabe, ela é sistêmica; no resto do sistema ela é pontual.

Das comportas da Lava Jato emana esse diktat.

Do qual se vale a  crispação midiática para irradiar uma indignação seletiva, sancionada, afinal, pelo coquetel de cumplicidade, cinismo e acoelhamento das togas da Suprema Corte.

‘Se fazem isso com uma Presidenta da República, o que será do cidadão comum?’, arguiu Dilma Rousseff diante da manipulação intrínseca ao golpe do qual é vítima e para o qual as togas se oferecem como o lubrificante obsequioso.

É esse o bafo frio que arrepia a consciência democrática da nação e só lhe deixa como janela de ar fresco a rua.

Assiste-se a uma radicalização aberta dos interesses dominantes, na qual a  isenção parece, enfim, não representar mais um valor passível sequer de ser simulado.

Sugestivo dessa depuração conservadora foi o conselho da ombudsman da Folha, Vera Magalhães, na nota de despedida do cargo, neste domingo.

Ao criticar a manchete do jornal no dayu-after da votação na Câmara (‘Impeachment’, em garrafais idênticas às utilizadas na cassação de Collor, quando o que foi aprovado dia 18/04 foi a autorização para a abertura do processo de impeachment), a jornalista sugeriu um pouco mais de ‘comedimento’ ao jornal.

‘Mantenham a aparência, ao menos a aparência, please’, parece ter sido o seu recado.

Ao que tudo indica, tardio e obsoleto.

Essa era a batalha do dia anterior dos  ombudsman do jornalismo conservador --não há mais espaço para simulações.

Sobriedade, comedimento, nunca foi o forte do sistema de comunicação monopolizado do país.

Não será agora que a temperança ecumênica mediará a abordagem das grandes questões nacionais pelo jogral dos interesses que ele vocaliza.

A rota de colisão entre o noticiário político local centrado na destruição do governo e do PT, e a denúncia do golpe, predominante da mídia internacional, dá a dimensão do que se pode e do que não se deve esperar dessa pata dianteira do galope conservador.

Graças à blindagem jurídico-midiática, a natureza ostensivamente antipopular, antinacional e espoliativa do golpe pode (por ora) manter-se mitigada aos olhos da maioria da população.

Cunha e Bolsonaro são tratados como desvios pontuais, quando na verdade detém representatividade superior àquilo que a palavra excrecência costuma designar.

A ação violenta que eles personificam já atravessou a soleira da ameaça para a  rua.

A desenvoltura das milícias fascistas, contratadas e pagas por uma entidade empresarial, a maior do país, a Fiesp, foi fartamente documentada na avenida Paulista, neste final de semana em que a via foi tomada por protestos contra o golpe (veja a sequência documentada pelo ‘Jornalistas Livres’ no twitter de Carta Maior https://twitter.com/cartamaior?ref_src=twsrc%5Etfw ).

De novo, não estamos diante de um ponto fora da curva.

O que se desenrola aos olhos de quem quiser enxergar é um ensaio da violência intrinsecamente indispensável à sustentação da curva de expropriação de direitos arquitetada pelo compasso do ajuste golpista.

Em dúvida, consulte-se a curva.

O documento ‘Ponte para o Futuro 2 – a Travessia Social’, que o golpe coloca na praça nestes dias,nasceu da necessidade esquizofrênica de se distrair a atenção popular, oferecendo-lhe uma cenoura pré-abate, ao mesmo tempo em que endereça perolas aos ouvidos da plutocracia e da classe média fascistizada.

Quais pérolas?

Todas aquelas provenientes da concha do Banco Mundial que preconiza a substituição dos direitos sociais universais por um ‘focalismo’ associado ao Estado mínimo, ao qual caberá  ‘fazer mais com menos’.

O Banco Mundial é a mais importante usina de difusão, treinamento e reeducação neoliberal em ação no planeta.

Crédito não é a especialidade dessa instituição.

O empréstimo oferecido pelo banco funciona apenas como isca para enredar países, governos, técnicos e burocracias públicas – bem como algumas ONGs – na obra jesuítica de satanizar o Estado, catequizar e remodelar os aparatos públicos, converter corações e mentes das elites e tecnocracias nativas, adestrando-os nas excelências do mercado como remédio para todos ao males.

No Brasil, o Banco Mundial implantou uma bem urdida hegemonia no modo de pensar de várias esferas do setor público.

Dentro do Ipea, por exemplo –parcialmente remodelado no ciclo de governos do PT, com Pochmann e agora, com Jessé Souza--   formou-se uma tropa de choque de aplicados discípulos que funcionam como correia de transmissão do pensamento do Banco Mundial.

Um exemplo arrematado dessa cepa é Ricardo Paes de Barros, apontado como o ‘fomulador’ do golpe na área da política social.

E o que diz o especialista nas artes do focalismo na entrevista publicada nesta 2ª feira no Estadão?

Exemplos:

1. ‘é claro que o Bolsa Família está inchado’;

2. ‘com 15% de dinheiro a menos consigo ter o mesmo 100% de redução da pobreza’;

3. ‘se numa casa de 5 pessoas, o sujeito declara R$10 a menos de renda própria, o governo vai gastar R$ 50 a mais por mês com essa família’

‘inventou-se essa ideia de que creche é um direito de todos’

‘(quando você arrumar a política) obviamente tem gente que vai sofrer’

O desempregado primeiro terá que conseguir um emprego, para depois ter direito ao Pronatec...’

Vai por aí  a gororoba destinada a tropicalizar os ditames do focalismo, empanturrando governo e colunistas com inesgotáveis papers que atestam a virtuosa conjunção entre Estado mínimo e economia máxima com os pobres, em substituição aos direitos do Estado de Bem-Estar Social.

É justamente esse o sentido da acenada ‘Travessia Social’ de Temer.

Conforme relata o insuspeito jornal Valor, em editorial nesta 2ª feira: entre as medidas que discutidas pelos assessores mais próximos do vice-presidente estão a ‘desvinculação das verbas orçamentárias, desindexação dos gastos sociais da variação do salário mínimo, a reforma tributária, a flexibilização do mercado de trabalho e a reforma da Previdência Social’.

Um mutirão restaurador da agenda neoliberal.

O relato do jornalista Paulo Gama, da Folha, publicado neste domingo sobre o 15º Fórum Empresarial realizado em Foz do Iguaçu, é ilustrativo do ambiente que impulsiona essa escalada.

O jornal não deu o destaque, a manchete ou o espaço que  o assunto  justificaria. Mesmo assim, propiciou um relance ilustrativo do clima de euforia de botim que predomina na divisão de sesmarias entre os apoiadores e articuladores do golpe.

Nesse circuito puro sangue, palavras como ‘trabalhador’, ‘pobre,’ ‘salário’ e ‘direitos sociais’ entram apenas na lista dos problemas, nunca na relação dos convidados do tucano João Dória Jr, candidato a prefeito de São Paulo e promotor do encontro de Iguaçu.

Trechos da reportagem da Folha:

‘...apito na mão depois de um longo "priiii" para pedir silêncio, João Doria Jr, candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo, dava as boas-vindas a 300 dos maiores nomes do setor produtivo do país e políticos de oposição-quase-virando-governo que se reuniram, no feriado de Tiradentes, para quatro dias de seminários e "networking" em Foz do Iguaçu...’

‘. (os articuladores do golpe presentes eram) ... Romero Jucá (PMDB-RR), o elo de Michel Temer com o setor empresarial, José Agripino (RN), presidente do DEM, e os tucanos Cássio Cunha Lima (PB) e Antônio Anastasia (MG), o provável relator do processo de deposição de Dilma Rousseff no Senado’.

‘Além de Jucá, o resort recebeu Rodrigo Rocha Loures, assessor do peemedebista na Vice-Presidência, e Gaudêncio Torquato, consultor e estrategista de longa data do presidenciável’.

‘...os convidados andam com crachá de identificação pendurado "à altura do plexo". O de Rocha Loures já o indicava como assessor da Presidência, não mais da Vice...’

‘Jucá passou os dois dias em que esteve no encontro recebendo demandas. De deputados que queriam ser ouvidos para a formulação da política econômica do possível governo, já dado como certo, a empresários e consultores que queriam fornecer estudos e avaliações –além de saber que rumo tomaria o início da gestão’.

‘Nas palestras abertas, o governo Dilma era tratado por políticos e empresários como "nefasto" e "avesso ao lucro".

Esse é o ponto do desmonte em que nos encontramos.

Empenhados centuriões se esfalfam para despejar na fornalha  do “ajuste” e da “retomada da consistência macroeconômico” o estorvo que sujou o mercado e a boa teoria nos últimos 13 anos.

Inclua-se nessa montanha desordenada de entulho: 60 milhões de novos consumidores ingressados no mercado, a cobrar cidadania plena;um salário mínimo 70% maior em poder de compra;  um sistema de habitação popular ressuscitado; bancos públicos a se impor à banca privada; uma Petrobras e um BNDES fechando as lacunas da ausência de instrumentos estatais destruídos no ciclo tucano etc

A faxina requerida é tão virulenta que necessita árduo trabalho de escovão e detergente ideológico para dissolver a resistência alojada em estruturas de consumo, serviços e participação política instituídas para atender a 1/3 da sociedade e não a sua totalidade.

O fato é que o golpe se depara aí com uma montanha de tamanho e resistência muito superior ao poder destrutivo do politicídio imposto ao PT pelo juiz Moro e seus assessores de vazamento na mídia.

O ciclo iniciado em 2003 tirou múltiplas dezenas de milhões de brasileiros da pobreza; deu mobilidade a outros tantos na pirâmide de renda.

Os novos protagonistas formam hoje a maioria da sociedade.

Lula criou um novo personagem histórico – ainda que não um protagonista da própria história (seu erro capital).

A presença desse personagem em fraldas, de qualquer forma, dificulta sobremaneira rodar o software conservador no botim festivo da plutocracia e do conservadorismo.

Devolver a pasta de dente ao tubo requer uma assepsia repressiva dificilmente realizável em ambiente de liberdades democráticas.

O espinho de peixe na garganta do golpe não deixa de cutucar também a omissão histórica da agenda progressista.

Hoje ela enfrenta suas provas cruciais, sem dispor de base organizada, nem de instrumentos indispensáveis para isso -- entre os quais, um sistema de comunicação plural e ecumênico.

Se há tempo para providencia-los no longo e traumático ciclo de enfrentamento deflagrado a partir da reeleição de Dilma, em outubro de 2014, só a história dirá.

O terreno é mais adverso que nunca e os blindados da crise e do conservadorismo avançam para um enfrentamento de vida ou morte.

Sim, há autocrítica a fazer e equívocos a corrigir. Todos aqueles em debate e mais alguns que não interessa à emissão conservadora contemplar.

Mas só há duas formas de descascar o abacaxi.

Uma, implica a construção democrática de linhas de passagem negociadas para um novo estirão de crescimento ordenado pela justiça social.

A outra preconiza simplificar a tarefa, terceirizando o timão à “racionalidade” dos livres mercados.

É o arrocho.

A escolha conservadora dispensa o penoso trabalho de coordenação da economia pelo Estado, ademais de elidir a intrincada mediação política dos conflitos inerentes às escolhas do desenvolvimento.

Sua receita pressupõe replicar aqui a panaceia neoliberal que depauperou o mundo do trabalho nos EUA e desmontou o Estado do Bem-Estar Social na Europa.

Com a consequências sabidas.

Embora o jornalismo isento afirme que a crise da Petrobrás é fruto do aparelhamento ‘lulopetista, a verdade é que se vive desde 2008 a mais longa, incerta e frágil recuperação de uma crise do sistema capitalista desde 1929.

Com uma agravante aqui: em uma sociedade na qual não existe a gordura do Estado de Bem-Estar Social  --apesar de Paes de Barros considerar que o Bolsa Família está ‘inchado’-- será preciso cortar no osso.

O osso dos mais pobres.  Reconduzindo-os para uma invalidez de direitos apenas esboçados.

São os albores dessa batalha cruenta que explicam a presença armada de porrete dos bate-paus da Fiesp em autonomeada fiscalização ideológica da rua mais importante na principal cidade do país.

A mãe de todas as batalhas gira em torno dessa questão. A questão do método de repactuação do desenvolvimento brasileiro.

Golpe e porrete? Ou mais democracia e a construção negociada do passo seguinte do desenvolvimento?

Quem opta pela segunda alternativa não pode faltar neste domingo, no Anhangabaú, em São Paulo, no 1º de Maio em defesa de Dilma, da legalidade e dos direitos sociais.

O regime de força já respira entre nós.

A democracia ainda não expirou, mas carece de nervos e musculatura que só a largueza das ruas poderá propiciar-lhe.

Fonte: AGÊNCIA CARTA MAIOR

terça-feira, 5 de abril de 2016

MINO CARTA: É golpe, sim !

Perdoem os leitores a exclamação, mas a arrogância e a desfaçatez dos conspiradores passaram da conta

Por Mino Carta

Ricardo Stuckert/ Instituto Lula



É golpe, é golpe sim. Verdade factual, diria Hannah Arendt, a verdade única, inegável. A despeito das afirmações em contrário de pançudos alquimistas do engano, envoltos em prosopopeia. E dos editorialões dos jornalões e programões, e das colunas e reportagens dos sabujos midiáticos, de lida tão árdua com o vernáculo, mas de fantasia acesa.

E dos rentistas que se dizem empresários de um país que exporta commodities, de juizecos provincianos e advogados mafiosos que em cada lei enxergam a oportunidade de burlá-la. E de agentes ditos da ordem empenhados em semear a desordem e de funcionários do Estado dispostos a financiar no exterior campanhas a favor do golpe, como Furnas a patrocinar tertúlias lisboetas de Gilmar Mendes e José Serra.

Vivemos uma tragédia e desta vez, no País à matroca, quantos cidadãos se dão conta da sua condição de vítimas?

Qual é a verdade factual? A presidenta Dilma errou bastante, ninguém, no entanto, poderá acusá-la de desonestidade. Está a ser julgada, porém, por uma corja de corruptos na comparação com os quarenta ladrões de Ali Babá, estes figuram como medíocres aprendizes.

Fato é que os argumentos aduzidos para justificar o impeachment não se prestam ao propósito. Quem diz: golpe não pode ser “algo que existe na Constituição” expõe apenas sua parvoíce.

Exatamente por ser previsto pela Carta, o impeachment no caso é impraticável, como aliás confirma o ministro Marco Aurélio Mello, consciente de sua função de magistrado. De todo modo, pedaladas fiscais são práticas comuns dos governos brasileiros.

Quem está sem pecado atire a primeira pedra. Lição de Cristo, aquele que, ao pedir ao Pai Celeste perdão para quem o crucificava sem entender seus próprios atos, não se referia apenas aos soldados romanos.

Cabem, na exposição da verdade factual, comparações entre o presidencialismo à brasileira e o americano, ou o francês. Bush júnior foi calamitoso como presidente ao ponto de levar seu país a uma guerra precipitada pela mentira e pela hipocrisia, enfim, inexoravelmente provadas.

Nem por isso deixou de governar até o fim. Barack Obama governou por boa parte do seu segundo mandato sem contar com maioria parlamentar, e nem por isso foi impedido.

François Hollande há dois anos não alcança nas pesquisas 20% de aprovação popular, e nem por isso deixa de governar. Será que o nosso presidencialismo está habilitado a dispensar o peso constitucional de uma eleição ganha em proveito dos números de um ibope qualquer?

A verdade factual oferece largo espaço à raiva que hoje medra na chamada classe média, ódio desvairado insuflado pela ofensiva midiática. Vale acrescentar um adjetivo: irracional. Fruto de ventos malignos e, de certa forma inexplicáveis, a soprar entre o fígado e a alma.

Aparentado com a raiva da pequena burguesia que gerou, por caminhos distintos, o fascismo e o nazismo, lembrança esta despida da pretensão de confrontar o estágio cultural das nossas classes A e B com a pequena burguesia de Alemanha e Itália dos começos do século passado.

Quem no Brasil se considera burguês, quando não aristocrata, não se expandiu muito além dos tempos da Pedra de Roseta. O ódio, entretanto, é parecido, eivado de recalques e preconceito. De todo modo, não será fascista ou nazista o desfecho da tragédia.

Nesta mesma edição, um suplemento especial evoca o golpe de 1964 para exibir as similitudes e as diferenças entre a situação que precipitou aquele e a que vivemos hoje. O fantasma da Revolução Cubana alastrava-se então sobre a América Latina, quintal dos Estados Unidos.

Tio Sam velava para impedir fraturas no seu império, pronto a intervir onde fosse preciso por meio dos serviços da onipresente CIA, e de ajuda financeira e até militar. Patrocínio decisivo a todos os golpes que assolaram o subcontinente.

Hoje os EUA reatam com Cuba e certamente não enxergam no Brasil o seu quintal, graças à política exterior independente praticada por Lula e seu chanceler Celso Amorim. Sabem, porém, que significaria dar continuidade àquela política, como aconteceria se Lula voltasse ao poder. Resultaria no fortalecimento da aliança dos BRICS, que tende cada vez mais a tomar caminhos conflitantes em relação aos interesses norte-americanos.

Em 64, a casa-grande chamou os soldados para executar o trabalho sujo, desta vez os tanques são substituídos pelas togas de uma Justiça politizada, sequiosa por empolgar o poder em uma república justicialista.

Patética, emoldurada em ouro, a desculpa dirigida ao STF pelo juiz Moro por seus grampos ilegais e ilegalmente divulgados, a revelar uma vocação de humorista quando diz não ter agido com propósitos político-partidários. Pelo contrário, são estes exatamente os propósitos de futuro desta magistratura açodada, intérprete da Justiça desvendada.

O golpe de 64 gerou uma ditadura de 21 anos e de cujas consequências padecemos até hoje. Vale perguntar aos botões se o plano togado tem chances de êxito caso o impeachment premie os conspiradores de sempre. Impossível, respondem, à luz do que chamam de premissas da próxima, eventual, verdade factual.

Desta vez, os conspiradores estão divididos por divergências insanáveis e, se lograrem atingir o alvo comum, entrarão em conflito no dia seguinte. Dia nebuloso, caótico, de tensões espantosas. Chegassem ao governo, os cultores do poder pelo poder cuidariam de acabar de vez, como providência automática e imediata, com a Lava Jato.

O professor Michel Temer, que já organiza uma passeata da vitória, deveria dedicar-se a uma leitura mais atenta de Maquiavel. Antes de se atirar a certezas, é indispensável derrubar todos os obstáculos. Derrubar? Melhor aniquilar.

Que é possível esperar de um governo Temer? Quem sabe José Serra na Fazenda. Que tal Rubens Barbosa chanceler e Miguel Reale Jr. na Justiça? Retorno ao afago norte-americano, leilão dos bens brasileiros a começar pelo pré-sal, distanciamento dos BRICS.

O progressivo galope decadência adentro. Súditos de Hillary ou de Trump? A esta altura, não consigo ver diferenças entre os dois, ao menos deste meu ponto de observação verde-amarelo.

A incerteza, esta sim, é própria do momento. Quanto a CartaCapital, não nos permitimos a mais pálida sombra de dúvida quanto à nossa determinação em defender o retorno ao Estado de Direito, destroçado pelo complô antidemocrático.

As falhas do governo atual não se discutem, começam pelo estelionato eleitoral cometido pela presidenta Dilma ao convocar para a Fazenda um bancário neoliberal com o propósito transparente de acender um círio ao deus mercado.

Nada, porém, do que a acusam sustenta a conspirata e justifica o impedimento, assim como nada admite a pretensão de Sergio Moro de prender Lula. Houvesse provas cabais, já estaria preso. E esta é a verdade factual.

Certa agora, no País à deriva, é a falta de liderança. A presidenta Dilma encontrou finalmente o tom certo e a veemência necessária nos seus últimos pronunciamentos, mas perdeu a chance de assumir o comando do País e talvez jamais o tenha perseguido.

Ela parece satisfazer-se com a autoridade que lhe compete nas reuniões do ministério. De resto, o Brasil contou com poucos líderes populares autênticos, sem exclusão de Antônio Conselheiro, e dois se sobressaem, Getúlio Vargas e Luiz Inácio Lula da Silva. Getúlio repousa no panteão da memória, Lula está vivo.


Fonte: CARTA CAPITAL