quarta-feira, 31 de julho de 2013

Tarso: "Não sejamos ingênuos. Quem está ganhando é o Centrão"

Governador do Rio Grande do Sul está preocupado com o que considera ser uma interpretação ingênua por parte de setores da esquerda a respeito das consequências políticas de todo o processo de manifestações até aqui. "O que está ocorrendo agora é um debate sobre a correlação de forças no plano da política, para a aplicação dos princípios que inspiraram a Constituição de 88. E quem está ganhando é o “centrão”, adverte.
Marco Aurélio Weissheimer

Porto Alegre - O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, foi um dos poucos governantes e líderes políticos brasileiros que colocou a cara para bater durante as manifestações de rua que sacudiram o país em junho e julho deste ano. No calor dos protestos, promoveu reuniões, entrevistas coletivas, audiências públicas, convidou os jovens manifestantes para debater e ouviu diretamente, sem nenhum filtro, críticas destes à atuação das forças de segurança e de outros problemas relacionados a políticas e serviços públicos. 

Dentro do PT, suas iniciativas acabaram tendo projeção nacional, diante do ruidoso silêncio que se ouvia então. Foi um dos primeiros a defender a necessidade de uma Constituinte exclusiva para fazer a Reforma Política, proposta que mais tarde seria abraçada pela presidenta Dilma Rousseff e, rapidamente, bombardeada pelo “Centrão” político que comanda o Congresso Nacional e tem crescente poder, inclusive dentro do PT. 

Agora, Tarso Genro está preocupado com o que considera ser uma interpretação ingênua por parte de setores da esquerda a respeito das consequências políticas de todo o processo de manifestações até aqui. O desdobramento do debate sobre a Reforma Política no Congresso, a subordinação do PT à lógica Vaccarezza, e a tentativa de desconstituição das conquistas sociais dos últimos 10 anos são alguns dos fatos apontados por Tarso para analisar a conjuntura atual. 

O que está ocorrendo agora não é mais um debate sobre normas mais ou menos democráticas, mas um debate sobre a correlação de forças no plano da política, para a aplicação dos princípios que inspiraram a Constituição de 88. E quem está ganhando é o “centrão”, resume.

Tarso Genro expõe as suas preocupações a respeito do atual momento político no país e sobre as leituras que vêm sendo feitas sobre as manifestações de rua e suas consequências:

A ingenuidade de uma parte da esquerda meio pollyana”

O que me pasma é uma certa ingenuidade de uma parte da esquerda meio “pollyana”, a respeito das manifestações do início de julho, pela qual confundem as autênticas manifestações dos estudantes e de certos novos movimentos sociais - que aliás já estão na cena pública há mais de duas décadas- com a instrumentalização que a mídia oposicionista fez do próprio movimento, direcionando-o para dois níveis: primeiro, desgastando as funções públicas do Estado, principalmente nas áreas da saúde e do transporte público das grandes regiões metropolitanas e, segundo, pretendendo “apagar” da memória popular, de forma totalitária, as grande conquistas dos governos do Presidente Lula, seguidas pelo governo atual da Presidenta Dilma, na base do “gigante acordou”, que tanto deleitou as classes médias mais conservadoras. Tudo isso veio combinado com um ataque aos partidos e aos políticos em geral, que atingem a própria democracia, que certamente na visão destes conservadores deve ser substituída por um processo “limpo”, de manejos tecnocráticos, feito por gerentes do capital financeiro.

A histórica campanha da grande mídia contra o Estado 

Na verdade, ocorreram dois movimentos neste processo: um movimento tipicamente eleitoreiro da grande mídia, seguido por algumas redes sociais, preparando o ambiente eleitoral para o próximo ano, e um autêntico movimento popular, insatisfeito pelas limitações das conquistas até agora obtidas, cujo seguimento e aprofundamento, agora, só pode ser dado por novos processos de participação popular direta, inclusive para reformar o atrasado sistema político brasileiro, que já é um emperramento para que se aprofundem as conquistas sociais até agora obtidas.

Dou o exemplo da saúde pública. Quem não sabe que o SUS faz dezenas de milhões de atendimentos às populações mais pobres e que é uma das grandes conquistas do povo trabalhador do país, que salva milhões e milhões de vidas em cada ano? Pois bem, dezenas de reportagens “contra” este sistema público foram feitas precisamente no momento em que os planos privados, que eram apontados como a grande saída pelos neoliberais, entraram numa crise profunda, que ficou totalmente subsumida nos noticiários, pois o “problema”, para esta mídia, era o Estado, não o mundo privado.

Há luta ideológica sobre a saúde pública

Ambos, certamente, estavam e estão subfinanciados e o nosso SUS precisa ser muito melhorado. Mas o que foi escondido -nestes ataques ao sistema de saúde pública no Brasil- é que ele é, predominantemente, bom para o povo e que o privatismo não resolveu a questão nem para a classe média que paga religiosamente os seus planos. A direita, na verdade, se propôs a uma luta ideológica, sobre a questão da saúde no Brasil, manipulando a informação, e a esquerda e os governos se recusaram a fazê-la. 

As lideranças de esquerda em geral, com algumas exceções honrosas, manifestaram-se “encantadas” com os movimentos, como se eles fossem uniformemente “autênticos”, não manipulados, o que não é verdade. Basta ver que quando eles saíram da domesticação induzida passaram a ser depreciados.

A falência do sistema político atual

O que preocupa não é mais simplesmente a eleição do ano próximo, pois acredito que a Presidenta vai recuperar o seu prestígio, porque o governo tem bala na agulha. O que me preocupa é o grau de governabilidade que qualquer governo terá, no próximo período, em função da falência do sistema político atual, que estimula as alianças fisiológicas que tornam os governos reféns de maiorias artificiais e, em função da incapacidade dos estados e municípios -sejam eles quais forem- de responder às demandas populares por melhor saúde, melhor educação, melhor transporte, em função de duas coisas: as desonerações que sacrificam as nossas arrecadações, através da redução dos valores do Fundo de Participação dos Estados e dos Fundo de Participação dos Municípios, e em função das dívidas do Estados, que não param de crescer e impedem que se obtenha novos financiamentos para obras de infra-estrutura, por exemplo.

A tarefa estratégica para um governo de esquerda

Reagir contra a “desindustrialização” do país e reforçar a capacidade de resposta dos Estados e Municípios -principalmente os que governam com participação popular- no próximo período é, na minha opinião, a principal tarefa estratégica de um governo democrático de esquerda, pois ,como parece que não haverá reforma política nem reforma tributária, a estabilidade política dos governos só pode ser moldada através de “remendos” no pacto federativo, mais no âmbito da política do que âmbito de reformas na legalidade vigente.

Quem está ganhando é o centrão”

Que me perdoem os estetas da democracia formal, mas o que está ocorrendo agora não é mais um debate sobre “normas” mais ou menos, democráticas, mas um debate sobre a correlação de forças no plano da política, para a aplicação dos princípios que inspiraram a Constituição de 88. E quem está ganhando é o “centrão”, ou seja, as mudanças que eles toleram já chegaram ao seu limite. Agora, para eles, é conservar e acalmar a plebe. Para nós deve ser mais igualdade, o que significa reforma tributária, reforma política, democratização dos meios de comunicação e mais combate às desigualdades sociais e regionais. Que tal encarar um imposto sobre as grandes fortunas e um bom CPMF, para Transportes e Saúde? 

(*) Publicado originalmente no Sul21.

Após reunião com Lacerda, manifestantes desocupam Prefeitura de Belo Horizonte

PÓS-REUNIÃO

Cerca de 300 pessoas continuam interditando a avenida Afonso Pena


PUBLICADO EM 30/07/13 - 18h55

Depois de 32 horas ocupando o prédio da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), integrantes de seis ocupações urbanas da capital deixaram nesta terça-feira (30) o local, por volta das 19h40. A decisão veio após o Executivo acatar três das principais reivindicações do grupo e suspender as ordens de despejo de ocupações que estão em terrenos públicos, anunciar a criação de uma comissão para discutir a regularização dos assentamentos e ainda propor que esses espaços se transformem em Áreas Especiais de Interesse Social (Aeis) – destinadas à construção de moradias para a população de baixa renda.

“A gente vê essa decisão como algo positivo, porque nós tivemos três das nossas reivindicações atendidas. Mas é claro que acreditamos que o poder público vai cumprir seu compromisso. Se não cumprir, teremos provas para usarmos nas ações judiciais”, disse o advogado Joviano Mayer, que representa as ocupações.
Mesmo com o tom otimista, as 3.000 famílias que moram nas ocupações ainda não terão água, esgoto e energia elétrica. De acordo com o prefeito Marcio Lacerda, essa proibição é fruto de um acordo, firmado décadas atrás, entre o Ministério Público e as empresas que fornecem os serviços. Os advogados das ocupações tentam, na Justiça, a ligação de água, luz e esgoto nas ocupações Dandara, Camilo Torres, Irmã Doroty, Eliana Silva, Rosa Leão e Vila Bandeirantes.
Após o fim da reunião, que contou com a presença de defensores públicos, do Ministério Público e da Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel), os manifestantes realizaram uma assembleia para decidir sobre a permanência na prefeitura. As cercas de 40 pessoas que estavam dentro do prédio deixaram o local acompanhados por guardas municipais e por policiais do Batalhão de Choque. Do lado de fora, eles se juntaram a outras 300 pessoas e, entoando gritos de guerra, fizeram uma roda de capoeira.

Habitação. Apesar de Marcio Lacerda ter garantido que a nova comissão vai conversar com proprietários de terrenos em que existam ocupações, ele foi incisivo ao afirmar que a prefeitura não tem dinheiro para desapropriar espaços particulares. O prefeito reconheceu que o déficit habitacional da capital é de 60 mil moradias, mas afirmou que outras 20 mil serão criadas até o fim do seu mandato.

“Nesse momento, nós temos condições de diálogo, de apresentar algo concreto, mas por causa dessas novas moradias”, avaliou.

Promessas

Reintegração. Todos os processos de reintegração de posse impetrados pelo Executivo na Justiça serão retirados. No caso dos terrenos particulares, a prefeitura irá convidar os proprietários para conversar.

Discussão. Uma comissão com participação de representantes das ocupações e da prefeitura será criada. Ela vai analisar a situação e propor a melhor solução para os assentamentos.

Especial. Os terrenos de ocupação irregulares serão reconhecidas como Áreas Especiais de Interesse Social (Aeis) – destinadas a construção de moradias para a população de baixa renda. Nelas, há uma flexibilização de normas e parâmetros urbanísticos visando ao barateamento da habitação.

terça-feira, 30 de julho de 2013

A Folha e o agendamento conservador do país


O editorial da Folha deste domingo, ‘Mitos das Redes Sociais’, exercita o malabarismo dissimulatório típico de um poder declinante, que pretende estender sua vida útil cerceando o curso da história.

No caso, trata-se de desqualificar ‘a forma de jornalismo’ praticado nas redes sociais - “mais sujeita a falhas do que as já frequentes no jornalismo profissional”, diz o texto, que justifica: “Informações se divulgam sem comprovação, quase sempre embaladas nas estridentes convicções, autênticas mas parciais, de seu emitente”.

É forçoso lembrar. 

Um: o que se transcreve é um trecho editorial do veículo que se notabilizou, em 2009, por dar veracidade a uma ordinária falsificação de documento da polícia política da ditadura, de modo a prejudicar a então pré-candidata, Dilma Rousseff. 

Dois: a Folha até hoje, repita-se, até hoje, não assumiu o erro grosseiro de manipulação.

Três: não foi um ponto fora da curva. 

Tampouco representou um divisor, a partir do qual o jornal imbuiu-se de maior isenção e rigor na veiculação dos fatos. 

Para não abusar da redundância, confira-se, nesta página de Carta Maior, a ‘falha’ da casa Frias na seleção e manipulação de indicadores de uma pesquisa eleitoral recente, de modo a desidratar Dilma e poupar Alckmin. 

Estamos diante de uma norma.

De absoluta falta de compostura no presente, da qual já se teve robusta evidência no passado, e de cuja incidência dificilmente se escapará na campanha eleitoral de 2014. 

A pluralidade da informação não pode ser reduzida a uma maratona para escalonar os campeões de erros e acertos na prática do jornalismo.

Por certo, a rede social comete os seus. Por certo, a exemplo da narrativa pré-fabricada Barão de Limeira, há manipulação também no mundo da web.

Por certo, a questão deve ser colocada em outros termos.

Se o interesse for salvaguardar a formação do discernimento crítico da sociedade, não serve a disjuntiva do editorial, centrado na suposta supremacia de um modelo de mídia que pressupõe o monopólio da informação.

É a preservação desse estatuto, cujo requisito é o sufocamento do jornalismo praticado na rede, que ordena as advertências e o lobby dos barões da mídia em relação ao Marco Civil da Internet, a ser votado em agosto na Câmara dos Deputados. 

O que está em disputa, na verdade, é uma questão política de relevância decisiva dos dias que correm e naqueles que virão, já tratada neste espaço e em sites e blogs progressistas.

O jornal, em nome dos seus pares, quer manter intacto o poder de agendamento sobre o país. 

Quer preservar, através do monopólio da emissão, o poder de determinar aquilo sobre o que o Brasil deve e não deve discutir; pode e não pode cogitar. 

Hoje, meia dúzia de corporações determinam os limites desse gradiente.

O resto obedece – incluindo-se nesse genuflexório, não raro, o próprio governo. 

Um dos pratos principais desse agendamento – do qual a Folha se desincumbe com afinco — consiste em dissolver o PT e seus governos num caldeirão fervente de desastre e suspeição. 

A meta, desde 2003, sublinhe-se, é transformar anseios progressistas abarcados pelo partido num frango desossado, incapaz de ficar de pé, sobretudo num palanque. 

O agendamento conservador falhou em 2006 e em 2010. 

Persiste no mesmo diapasão a caminho de 2014, com algumas inovações.

Uma delas é o neogolpismo, aquele que arremete por dentro das regras institucionais, aliás invocando o papel de guardião daquilo que golpeia.

O novo ferramental não se dispensa de artefatos do velho repertório. 

Avulta, como antes, a falta de respeito e o preconceito de classe, recorrente nos confrontos entre a ‘informação ‘menos falha’, alardeada pela Folha, e as demandas progressistas históricas da sociedade brasileira. 

A outra novidade do arsenal é essa que o editorial insinua.

Barrar a emissão pluralista e insurgente de uma rede social que argui e disputa a agenda do país com o monopólio conservador.

O saldo positivo das gestões petistas apenas radicalizou essa necessidade de calar canais alternativos de formação da agenda política brasileira. 

Em tempo: a palavra saldo aqui não condensa uma evolução linear, nem isenta o percurso das críticas e contradições inerentes a governos policlassistas de centro esquerda.

O fato é que o atrito crescente entre esse conjunto radicalizou a narrativa conservadora.

Presa em uma dupla travessia de esgarçamento tecnológico e político, ela dobrou a aposta no tudo ou nada.

Analistas de maior consistência e equidistância são expelidos de seus veículos; ou abafados pelo alarido grosseiro do segundo escalão. 

A fotografia cede lugar ao photoshop. Literalmente e eticamente (veja-se a edição das fotos selecionadas pela Folha para ilustrar a entrevista da Presidenta Dilma ao jornal, na edição deste domingo).

O nível degrada.

Tome-se o exemplo a página 2 da mesma Folha.

Ali já escreveram progressistas como Antonio Calado e conservadores como Otto Lara Resende, entre outros. Ambas as cepas com expressões de alto nível.

Com honrosas exceções, tornou-se um rodapé intelectual. 

Dele escorre o suor inglório dos que brigam com as palavras para compensar a irrelevância do que dizem em decibéis adicionais. 

Isso para não falar de casos clínicos. 

'Veja', que um dia foi dirigida por Mino Carta, é cada vez mais um encadernamento de rascunhos tolos do Tea Party. 

A forma como esses veículos rejeitam a regulação da mídia --e tentam induzir o Marco Civil da Internet a cercear a rede social--, dá testemunho de uma dependência autoritária em relação ao futuro.

Carta Maior, ao contrário do editorial da Folha, entende que ter lado é uma virtude do jornalismo.

A indispensável lealdade com o leitor consiste em oferecer-lhe nossas coordenadas históricas: a construção de uma sociedade democrática e socialista.

Elas formam o mirante das nossas ideias. 

Sobre ele repousa nosso olhar sobre o país e o mundo.

A pretensão da Folha e assemelhados de apresentar-se à sociedade como um canal de informação sem a “mácula” do engajamento tem um nome.

Fraude.

A máscara rota mais revela do que esconde.

Não há observador neutro. 

Assim como nas relações sociais não há conhecimento dissociado de envolvimento na ação. 

“Não foi a Internacional que levou os operários à greve; foram as greves que levaram os operários à Internacional”, respondeu Marx à imprensa burguesa, que acusava os ‘agitadores’ de manipular e incutir “ideias” totalitárias na cabeça dos trabalhadores. 

Isso foi em 1864.

Mas ainda responde com notável pertinência aos esperneios dos editoriais conservadores no Brasil do século 21.
Postado por Saul Leblon às 05:28

quarta-feira, 17 de julho de 2013

PED 2013: Uma nova estratégia para o PT


Belluzzo: Brasil precisa superar enganos conjunturais e fazer política macroeconômica

 

O economista Luiz Gonzaga Belluzzo avalia que a presidente Dilma Rousseff tem uma visão clara do que deseja para o país a longo prazo, mas terá de enfrentar fortes obstáculos para concretizar um projeto de futuro. Um deles é a dificuldade dos agentes econômicos de privilegiar as decisões conjunturais às de caráter macroeconômico. Por Maria Inês Nassif

O Brasil saiu-se “muito bem” da crise financeira mundial de 2008, mas ainda tem que enfrentar sérios problemas, como “a relação perversa entre juros e câmbio”, a saída do país de sua estrutura de fornecimento e a precariedade de sua infraestrutura. É o que pensa o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, para quem a presidente Dilma Rousseff tem uma visão clara do que deseja para o país a longo prazo, mas terá de enfrentar fortes obstáculos para concretizar um projeto de futuro. Um deles é a dificuldade dos agentes econômicos de privilegiar as decisões conjunturais às de caráter macroeconômico.

Um engano dessa visão conjuntural, por exemplo, é tomar a desindustrialização do país como uma transição para uma “economia de serviços”. “Isto é uma fuga da realidade”, adverte o professor. Estados Unidos e Europa, que viveram desse engano nas últimas décadas, hoje se empenham em se reindustrializar, tentando levar, de volta, as empresas que saíram de seus países para o mundo, atrás de maiores vantagens para produção.

O Brasil precisa não apenas retomar sua industrialização, mas fazer sua reintegração produtiva no mundo, diz Belluzzo. Nessa reacomodação interna e externa, deve inclusive rever questões como o protecionismo. Não é nada fora de propósito, por exemplo, a presidente querer exigir das empresas que vão explorar o Pré-Sal um alto grau de conteúdo nacional.

Os planos para o futuro, todavia, não podem prescindir de uma atenção especial à educação – não propriamente a educação técnica, mas a educação humanista, aquela que dê elementos para o cidadão entender e julgar. “É preciso formar cidadãos, para que não se forme o especialista idiotizado”, diz.

Belluzzo considera importante a consolidação de uma cultura democrática de debate em espaços de “controvérsia e discussão”, a exemplo do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – e para que eles funcionem, o fundamental é a diversidade de formação e de pontos de vista.

Leia, abaixo, os principais pontos da entrevista de Luiz Gonzaga Belluzzo à Carta Maior.

Espaços de mediação
Para Belluzzo, a democracia não pode se resumir exclusivamente ao voto. Os espaços de controvérsia e discussão fazem parte do processo democrático. “A cidadania é o exercício permanente de participação”, afirma. No Brasil, todavia, instâncias intermediárias, destinadas a aproximar o escolhido pelo voto e o cidadão, não são levadas muito em conta. “Essas práticas foram construídas pelos governos do PT e num período ainda mais recente nos descuramos um pouquinho da importância dessas práticas”, afirmou o economista. Exemplos positivos dessas práticas são o Orçamento Participativo e os conselhos.

“Os conselhos têm representação do todo, portanto são fundamentais para a construção da vida democrática”, diz Belluzzo. E são particularmente importantes num Estado que ganha complexidade, e onde a burocracia tende a se autonomizar.

Para que o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) funcione, o fundamental é a “diversidade de pontos de vista e de formação”, opina.

Papel de coordenação do Estado
“A tentativa de separar o Estado e o mercado é uma dicotomia falsa”, afirma Belluzzo. “Como dizia Fernand Braudel, não há capitalismo sem Estado.” E a agenda do Estado, segundo ele, tem de ser a de coordenar um mercado que não tem tendência a gerar bons resultados do ponto de vista da equidade; não tem tendência à estabilidade; nem permite projetar uma economia de longo prazo. O Estado deve restabelecer suas três funções: de “corretor de desigualdades”; de “evitar o excesso de instabilidade econômica”; e de planejar a longo prazo.

Reformas estruturantes
Desde o governo Lula, Belluzzo, Delfim Netto e o ministro Guido Mantega se reúnem regularmente para debater a economia – antes com Lula, agora com a presidente Dilma Rousseff. Desde então, as preocupações se concentram em três questões, segundo Belluzzo: “a relação perversa que o Brasil tinha entre a taxa de juros e o câmbio, com câmbio muito valorizado e taxas de juros muito altas”; em decorrência, a saída da “estrutura de fornecimento” do país (o fornecimento interno passa a ser feito pelo exterior), que tem um efeito inflacionário potencialmente grave, se ocorre a desvalorização cambial; e uma infraestrutura atrasada que onera muito fortemente a exportação do país.

Para Belluzzo, o Brasil se comportou “razoavelmente bem” no pós-crise de 2008 – “aliás, acho que muito bem”, retifica – e a presidente Dilma tem feito um grande esforço para quebrar essa “relação perversa” entre juros e câmbio, que é um “convite para que as empresas tomem empréstimos em moeda estrangeira”. “Nós já assistimos esse filme várias vezes, provavelmente desta vez não vamos sofrer tanto, porque temos US$ 375 bilhões de reservas”, ressalva. De qualquer forma, é uma equação que traz um alto grau de instabilidade.

A infraestrutura brasileira estagnou na década de 70, na crise da dívida externa brasileira, e hoje exibe enormes gargalos. É um enorme ônus para as exportações brasileiras, afirma o economista.

A presidente Dilma “tem clara a questão de longo prazo”, diz Belluzzo, mas enfrenta uma série de dificuldades, inclusive a de governar em um momento em que a conjuntura “tapeia”, ou seja, obscurece, a questão mais importante, que é macroeconômica. Um dos enganos colocados pela conjuntura, exemplificados por Belluzzo, é a falsa ideia de que a economia brasileira vai se tornar uma economia de serviços. “Esta é uma fuga da realidade”, afirma. “Os americanos e os europeus, neste momento, estão desesperados para se reindustrializar”.

“Durante 30 anos marcamos passo na questão da industrialização”, afirmou. Nessas décadas, a indústria mundial mudou completamente e hoje está concentrada na Ásia e na China. As cadeias produtivas foram internacionalizadas. “E o Brasil ficou à margem do processo de internacionalização produtiva”, afirma.

Para Belluzzo, a reintegração produtiva do país recoloca, neste momento, a questão do protecionismo. Dilma defende, por exemplo, que a exploração do petróleo na camada de Pré-Sal seja condicionada a uma forte demanda de conteúdo nacional. “Aí os conservadores dizem: não, isso é coisa atrasada. Não é atrasada: eles que são atrasados, pois na verdade, para manter e desenvolver e até atrair o capital estrangeiro (...) você precisa desse tipo de política”, afirma. E o fato é que, desde os anos 70, o Brasil vive um declínio sistemático da indústria.

A questão a ser resolvida num processo de desenvolvimento, para Belluzzo, é a educação – não necessariamente a educação técnica, mas fundamentalmente a educação cidadã. “É preciso a formação de cidadãos, para que não se forme o especialista idiotizado”, diz. “Você não pode ter um país desenvolvido sem ter um cidadão capaz de compreender”.

“O meu maior medo”, diz Belluzzo, “é que o Brasil vire um país rico, próspero, mas com uma população insuficientemente formada e com baixo nível cultural”. Isto, segundo ele, não é defender uma ilustração das pessoas, mas “a capacidade de compreensão e de julgamento”.

Estado de Bem-Estar foi derrotado
“O neoliberalismo não é um produto de [Ronald] Reagan ou [Margareth] Thatcher, é produto da derrota da luta social. Foi essa derrota que permitiu a ascensão de Reagan e de Thatcher”, afirma o professor. Ele afirma que, em no final dos anos 60, meados dos anos 70, “começou a haver um certo incômodo (...) com o poder dos sindicatos, com a interferência do Estado, ou seja, as classes dominantes e dirigentes começaram a se sentir incomodados dentro do espartilho que o Estado lhes colocava, com o poder do sindicato de reivindicar etc.”

A primeira coisa que Reagan e Thatcher fizeram, o pontapé inicial para a retomada do liberalismo, foi derrotar os sindicatos. “Esse foi o fator fundamental e aí começaram as liberações, começaram a flexibilizar o mercado de trabalho, fizeram a liberação financeira etc.”

Pior que 1929
A crise de 2008 repôs um problema tratado há 70 anos: a coordenação do sistema monetário internacional. Descortinou um sistema onde a coordenação torna-se impossível, na medida em que os Estados Unidos, país gestor da moeda de reserva, não assume responsabilidades globais e os países que não têm moeda conversível pagam pelo choque de qualquer mudança na política econômica norte-americana.

“Não é possível que os Estados Unidos, que são os gestores da moeda de reserva e, portanto, têm responsabilidades globais, tomem decisões em função de seus interesses que desorganizam a economia de todo o mundo”, diz Belluzzo. “Você não faz nada de errado, mas você leva o choque de qualquer mudança na política americana”.

Para o economista, a crise atual remete à mesma discussão sobre o sistema monetário que se repete há 70 anos, sem que nada importante tenha efetivamente acontecido. Como as instituições multilaterais não cumprem o papel regulador, “cada um toma a atitude que acha conveniente”. “Não aconteceu nada em relação aos desequilíbrios internacionais, nem à questão da regulamentação ou do controle do sistema financeiro”, conclui.

A grande crise do Século XXI também traz como desvantagem o fato de não ter produzido nada de novo, ao contrário da crise de 1929, que resultou em reformas importantes. “Os governos [apenas] protegeram seus sistemas bancários, impediram o que seria catastrófico, uma brutal desvalorização (...), mas não fizeram mais nada. Deixaram tudo como está.”

Uma religião chamada economia
“A economia é uma forma de conhecimento que, hoje em dia, se aproxima muito da religião, porque transformou certas coisas em dogmas”, afirma Belluzzo. E esses dogmas dominam as cabeças da maioria dos economistas formados nas melhores escolas americanas e europeias. O domínio ideológico da escola econômica neoliberal tem o poder de impedir grandes mudanças, segundo o professor. “Hoje se pode fazer pouca coisa para avançar, mas não se pode vencer o que está encastelado nas finanças e nas universidades que servem às finanças”, diz Belluzzo.

Essa predominância constitui um verdadeiro “bloqueio ideológico” que, somado a debilidades do Estado atual de fazer mudanças, produzem uma grande dificuldade de governos de fazer política.

“Você não tem mais um Estado capaz de fazer política”, diz Belluzzo. “O Estado americano, por exemplo, não passa de um comitê de empresas”, afirma. A exceção fica por conta do Estado chinês: “Ali se pode ganhar dinheiro à vontade, só que nas políticas de longo prazo do governo chinês ninguém mexe”.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Quem topa a aventura?

publicado em 13 de julho de 2013 às 14:52



por Marcos Coimbra, em CartaCapital,  via e-mail por Julio Cesar Macedo Amorim


Em meio ao desprezo pelos políticos, emergem estrelas como Marina Silva e Joaquim Barbosa, que nem sequer partido têm. Mas os candidatos “não políticos” costumam ser preteridos nas urnas.

Constitui verdade acaciana afirmar que é ruim a imagem dos políticos no Brasil. Até as crianças do grupo o sabem e, aliás, compartilham a opinião. Não é idiossincrasia nossa, tampouco decorre de alguma peculiaridade da evolução política brasileira.

Mundo afora o mesmo ocorre em países ricos e pobres, de democracia mais ou menos consolidada. Os políticos andam em baixa em todos os lugares.

Mas o fenômeno assume aqui feições características. Passamos 20, dos últimos 50 anos, sob uma ditadura, que se instaurou com o pretexto de extirpar a corrupção e a subversão. Seus alvos imediatos foram os partidos e as lideranças políticas, acusadas de uma ou outra. Os generais se fantasiavam de os mais honestos e respeitadores das leis, e melhores como administradores. Durante o autoritarismo, político era quase sinônimo de corrupto e incompetente.

Mesmo que já tenha transcorrido três décadas desde a redemocratização, os ecos daquele período ainda estão vivos. Uma parte ponderável de nossa sociedade foi formada em uma cultura que olhava com repúdio aqueles que se dedicavam à política.

Muitos entre os muitos jovens aprenderam com seus pais a desconfiar deles e a menosprezá-los.

Em junho, nas manifestações de rua da classe média conservadora, os bordões que se ouviam expressavam tais sentimentos. É claro que são muitos os exemplos de políticos que só pensam em ganhar dinheiro ilicitamente, locupletar-se e se eternizar no poder. Assim como são inúmeros os casos de incompetência.

O problema brasileiro é, no entanto, maior que no resto do mundo? Terá se agravado recentemente?

Pelo que se conhece da experiência internacional e de nossa trajetória, parece que nem uma coisa nem outra. Tivemos, por exemplo, um presidente que sofreu impeachment, mas o mesmo aconteceu nos EUA.


Nossos partidos foram acusados de se financiar de maneira irregular, algo, porém, que volta e meia ocorre em democracia maduras, como a Alemanha e a França. E nem temos famílias reais que traficam influência, como a Espanha e a Holanda.

Dizer que a corrupção e a incompetência dos políticos brasileiros aumentaram nos últimos anos é simples ignorância ou ação política deliberada. Ao contrário do que pensa o cidadão pouco informado, os mecanismos de controle do uso dos recursos públicos são mais eficazes hoje que no passado e são melhores as safras mais recentes de administradores em municípios, estados e União. Ao contrário de ter piorado, avançamos nesse aspecto.

Então, o que ocorre? Por que a grita contra “os políticos”? Por que diminui a aprovação de prefeitos, governadores e da presidenta? Por que sobem nas pesquisas de intenção de voto para a próxima eleição presidencial apenas os candidatos não políticos e caem os candidatos de verdade? Por que as estrelas das últimas pesquisas foram Marina Silva e Joaquim Barbosa, que nem sequer partido têm?

Nossa vida política é curiosa. No segundo mandato de FHC, o país ficou em sobressalto permanente: uma crise cambial aguda, trocas atabalhoadas de presidentes do Banco Central, denúncias de que autoridades econômicas passaram informações a bancos particulares, a ameaça de um calamitoso apagão elétrico, a inflação voltando a ser voraz.

Tudo em um governo suspeito de ter comprado votos na Câmara de Deputados para conseguir permanecer no poder. Onde estava a “grande mídia”? O que escreveram os colunistas que hoje se proclamam indignados? Onde estavam os ministros da Suprema Corte? E a Procuradoria-Geral da República? E a classe média “manifestante”?

Quietos e calados.

No fundo, tudo o que querem, desde quando começaram a gritar de um ano para cá, é derrotar o “lulopetismo”. Mas não sabem dosar a munição. Atingem o conjunto do sistema político e abrem o caminho para aventuras de alto risco. Resta-nos lembrar que a maioria do eleitorado brasileiro até finge que vota em gente que não é do ramo.

Quem não se recorda da dianteira de Celso Russomano na eleição municipal de São Paulo, em 2012? Ou de Ratinho Junior em Curitiba? Mas quem foi que ganhou nas duas cidades?

Na hora de escolher alguém para um cargo executivo importante, o eleitor pensa com seriedade. A menos que o impeçam, é o que fará em 2014.

Fonte: VIOMUNDO

Nem PBH respeita Código de Posturas da capital

Como moradores e comerciantes, prefeitura descumpre normas e padrões de nova legislação,deixando caminhão em calçada, abrigos de ônibus sem lixeiras e faixas reduzidas de trânsito

Mateus Parreiras
Publicação: 15/07/2013 07:18 Atualização: 15/07/2013 07:53
Caminhão a serviço do município ocupa o passeio da Pedro II para receber carga de equipamentos de ginástica (Beto Novaes/EM/D.A Press)
Caminhão a serviço do município ocupa o passeio da Pedro II para receber carga de equipamentos de ginástica

Sempre que o caminhão precisa ser carregado, a manobra é a mesma: o veículo sai do galpão do número 2.806 da Avenida Dom Pedro II, no Bairro Carlos Prates, Região Noroeste da capital, e fica atravessado na calçada. Enquanto os funcionários com macacões vermelhos da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) colocam cargas que excedem a altura do portão – e por isso o trabalho precisa ser feito do lado de fora – resta aos pedestres desviar do caminhão pela avenida, sem a proteção sequer de um corredor de cones.

O Código de Posturas de Belo Horizonte completou ontem 10 anos, registrando infrações cometidas por pessoas que desconhecem seu conteúdo ou simplesmente não o levam em consideração por não temer a fiscalização, pois até a PBH desrespeita as regras que criou. Não é apenas no caso do caminhão: faixas de pedestres que não comportam o volume de pessoas que as usam ou pintadas de forma equivocada e a falta de lixeiras nos abrigos para ônibus são faltas que ferem normas e padrões municipais.

Na quarta-feira, enquanto um caminhão da PBH era carregado com equipamentos para exercícios físicos, o motorista tentava justificar o bloqueio total do passeio, por mais de 30 minutos. “É sempre assim, porque o caminhão é mais alto do que o portão do galpão e por isso não passa se estiver carregado”, disse. Para ele, uma saída poderia ser aumentar a altura do portão. “Assim, não íamos bloquear o passeio toda vez que precisamos de carregar ou descarregar. Na avenida não dá para estacionar”, disse o condutor do caminhão.

A justificativa é a mesma usada naquela avenida por comerciantes que bloqueiam calçadas com mercadorias e peças, alegando que pertencem a clientes. No entanto, o estabelecimento sem condições de atender a atividade a que se propõe se torna solidário em caso de multas ou notificações, de acordo com o código.

ABRIGOS
O Código de Posturas determina também que os abrigos de ônibus tenham, “no mínimo”, cobertura para proteção dos passageiros, banco e coletor de lixo. Porém, nem todas as instalações para embarque ou desembarque coberto dispõem de lixeiras. O resultado em algumas vias é o acúmulo de muita sujeira. Na Avenida Abílio Machado, no Bairro Alípio de Melo, na Região Noroeste, há 14 abrigos de ônibus, mas apenas cinco têm recipientes para lixo.

“É certo que muita gente não colabora e quebra as lixeiras, mas há lugares em que nem a instalam. Aí a gente fica esperando o ônibus demorado no meio dessa sujeira toda. Os meninos jogam chicletes no chão e a gente pisa. É um horror”, disse a dona de casa Meire Lane, de 55 anos, que aguardava condução entre embalagens e papéis que voavam ao vento ao seu redor. Na Raja Gabáglia, dos 22 abrigos existentes nove não tinham lixeiras e seis dispunham de aparatos distantes, o que resultava em mais lixo na área do equipamento.
Veja as imagens feitas pelo repórter Mateus Parreiras:

Faixas fora de local de travessia

A BHTrans também descumpre regras determinadas pelo Código de Posturas de Belo Horizonte. Um exemplo: as faixas de travessia para pedestres devem, de acordo com a legislação, “ter largura compatível com o volume de pedestres e garantir, por meio de demarcação com sinalização horizontal, passagem separada em ambos os sentidos, evitando colisão entre os pedestres”.

Não há faixas com duplo sentido na cidade. Pior do que isso, há várias faixas em desacordo com a legislação. “Quando começamos o projeto Amar BH (para fiscalização do código), um dos problemas que encontramos na Raja Gabáglia foram as faixas de pedestres mal projetadas, mas que já foram indicadas à BHTrans”, disse o secretário de municipal de Serviços Urbanos, Daniel Nepomuceno.

Na Avenida Afonso Pena, entre os cruzamentos com a Rua Professor Moraes e Avenida Bernardo Monteiro, no Bairro Funcionários, duas faixas de pedestres foram pintadas errado.

Uma delas, do lado da Professor Moraes, tem só metade efetiva de sua largura, uma vez que a outra leva até o jardim do canteiro central da Afonso Pena e não ao caminho reservado ao pedestre. A outra faixa nem sequer começa no espaço de espera de quem chega a pé ao canteiro central.


 (Beto Novaes/EM/D.A Press)
Cartaz polui muros e tapumes

Empresas de promoção de shows e até sindicatos de trabalhadores podem ser autuados por um grupo especial da Secretaria Municipal Adjunta de Regulação Urbana por pregar cartazes em muros, tapumes e paredes de edifícios, prática proibida pelo Código de Posturas de Belo Horizonte. Segundo a pasta, estão sendo verificados os contatos registrados em peças publicitárias para notificar os responsáveis.

A poluição visual é a infração que registrou a mais brusca queda do número de autuações e multas nos primeiros quatro meses deste ano em comparação com o ano passado. A redução foi de 33,5%, de 1.488 para 991, atribuída sobretudo à restrição aos outdoors e que removeu 90% das instalações, restando apenas 300 pela cidade.

Mesmo sem bloquear vistas e fachadas de edifícios como os outdoors banidos de BH, cartazes são capazes de promover grandes impactos de poluição visual. Nos tapumes de construções e nos muros de edifícios fechados à noite, o mosaico de propagandas coloridas e sobrepostas destoa dos contornos e cores das edificações.

Um exemplo disso está na Avenida Bias Fortes, no Bairro de Lourdes, onde há três pontos de concentração de cartazes. As composições são tão caóticas que impedem até a distinção das informações que a publicidade tenta transmitir. “Acho que só quando as pessoas tiverem consciência de que é feio fazer isso e isso funcionar não como propaganda mas como um demérito, poderemos controlar a poluição visual. Não acredito que fiscalização dê conta disso”, afirma a gerente Wal Fernandes, de 25 anos.

OPERAÇÕES Segundo o secretário municipal de Serviços Urbanos, Daniel Nepomuceno, a PBH tem de cumprir as regras do Código de Posturas e sempre que ocorrem operações inadequadas isso é reparado. A diretora de Sistema Viário da BHTrans, Jussara Bellavinha, informou que não se pintam sentidos diferentes nas faixas de pedestres porque o Conselho de Trânsito Brasileiro não permite. “Nossas faixas de pedestres chegam a ser maiores do que o determinado em alguns pontos, como na Praça Sete, onde atingem oito metros”, afirma a diretora.

Quanto às lixeiras, ela informou que a BHTrans só as instala em conformidade com a coleta de lixo, admitindo que os abrigos não são um conjunto que sai para ser instalado sem ter o equipamento obrigatório. A reportagem procurou a Regional Leste da PBH para comentar as operações do caminhão na Avenida Dom Pedro II, uma vez que o motorista disse pertencer àquela regional. A Leste recomendou procurar a Regional Noroeste, que não retornou as ligações.
Imagens feitas pelo repórter Mateus Parreiras na Avenida Bias Fortes:

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Em nota, governo expressa repúdio ao constrangimento imposto ao presidente Evo Morales



Nota OficialA presidenta Dilma Rousseff emitiu nota, nesta quarta-feira (3), em que expressou repúdio e indignação ao constrangimento imposto ao presidente da Bolívia, Evo Morales. Alguns países europeus impediram o sobrevoo do avião presidencial boliviano por seu espaço aéreo.
Segundo a nota, o constrangimento não atinge somente a Bolívia, mas a toda América Latina, comprometendo o diálogo entre os continentes e possíveis negociações entre eles. Dilma ainda afirma que encaminhará iniciativas em todas as instâncias multilaterais para que situações como essa nunca se repitam.


Confira a íntegra
O governo brasileiro expressa sua indignação e repúdio ao constrangimento imposto ao presidente Evo Morales por alguns países europeus, que impediram o sobrevoo do avião presidencial boliviano por seu espaço aéreo, depois de haver autorizado seu trânsito.
O noticiado pretexto dessa atitude inaceitável – a suposta presença de Edward Snowden no avião do Presidente –, além de fantasiosa, é grave desrespeito ao Direito e às práticas internacionais e às normas civilizadas de convivência entre as nações. Acarretou, o que é mais grave, risco de vida para o dirigente boliviano e seus colaboradores.
Causa surpresa e espanto que a postura de certos governos europeus tenha sido adotada ao mesmo momento em que alguns desses mesmos governos denunciavam a espionagem de seus funcionários por parte dos Estados Unidos, chegando a afirmar que essas ações comprometiam um futuro acordo comercial entre este país e a União Europeia.
O constrangimento ao presidente Morales atinge não só à Bolívia, mas a toda América Latina. Compromete o diálogo entre os dois continentes e possíveis negociações entre eles. Exige pronta explicação e correspondentes escusas por parte dos países envolvidos nesta provocação.
O governo brasileiro expressa sua mais ampla solidariedade ao presidente Evo Morales e encaminhará iniciativas em todas instâncias multilaterais, especialmente em nosso continente, para que situações como essa nunca mais se repitam.

Dilma Rousseff
Presidenta da República Federativa do Brasil

Fonte: Blog do Planalto

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Um novo tempo, apesar dos perigos


1. As grandes mobilizações ocorridas no Brasil, desde 13 de junho de 2013, constituem motivo de comemoração e otimismo. O país, nosso governo e nosso Partido necessitavam deste chacoalhão, que abre a possibilidade de avançarmos, e avançarmos mais rápido, no processo de reformas sociais e políticas. Mas para isto é preciso fazer uma detida reflexão sobre os acontecimentos, para a qual apresentamos a contribuição a seguir.
2. Os acontecimentos das últimas semanas não constituem um raio em céu azul, ao menos para os que vinham acompanhando a mudança nas condições do país, desde o início do governo Dilma. Vários setores do Partido, inclusive a Articulação de Esquerda, já apontavam (http://pagina13.org.br/2013/04/manifesto-a-esperanca-e-vermelha/) para os limites de nossa estratégia, as contradições crescentes de nossa política, as mudanças sociológicas e geracionais do país, a alteração na postura do grande capital, a ofensiva ideológica e política da direita partidária e midiática, o distanciamento das bases sociais e eleitorais e, principalmente, para o fato de que a política econômica vem provocando um atendimento limitado às necessidades e demandas das massas populares. Não apenas a AE e setores da esquerda petista, mas o próprio Diretório Nacional do PT já apontara, na convocatória do V Congresso do Partido (http://www.jptrn.com.br/2013/05/convocatoria-para-o-v-congresso.html), a necessidade de reformas estruturais mais profundas no país, inclusive no âmbito da comunicação, educação e cultura. Mas mesmo quando esta crítica comparecia nos discursos, não era a interpretação nem a postura predominantes na prática. Nesse sentido, é necessário e pedagógico recordar alguns fatos, ocorridos antes de 13 de junho de 2013.
3. A imprensa atribuiu a um afamado marqueteiro – categoria cuja nefasta influência política deve ser repensada —a opinião de que as pesquisas apontavam para uma reeleição de Dilma já no primeiro turno. Avaliação equivocada que havia sido cometida em 2010, quase resultando em danos irreparáveis.
4. Nas atividades comemorativas dos dez anos de governos Lula e Dilma, o reconhecimento dos erros, insuficiências e contradições era muitas vezes soterrado por um discurso de auto-propaganda, que também pode ser encontrado em publicações recentes acerca do tema. Não temos dúvida de que hoje estamos melhor do que estávamos na era FHC, e de que estamos melhor do que estaríamos sob Serra e Alckmin. Mas estaríamos ainda melhor se tivéssemos aplicado o conjunto do programa do PT, sendo necessário reconhecer as limitações do que foi feito e o quanto ainda resta por fazer.
5. Era frequente, entre amplos setores do Partido, uma postura arrogante que minimizava a força política e ideológica de nossos inimigos, assim como as decorrências negativas do tipo de governabilidade adotada, entre as quais a influência do PMDB e a presença crescente de fundamentalistas de direita em partidos da base do governo, sendo Marcos Feliciano seu símbolo mais vistoso, compondo um Congresso Nacional que tem derrotado a imensa maioria das propostas progressistas. Virou hábito dizer que a oposição de direita “não tinha programa”, “não tinha proposta”, “estava dividida”, “não conseguia influenciar a opinião pública, só a opinião publicada”, dependia “apenas” do PIG etc. Cegueira política e preguiça intelectual, incapaz de perceber os desdobramentos do que vem ocorrendo no Brasil há anos: uma brutal ofensiva ideológica do conservadorismo, que assume ademais novas formas e conteúdos, por exemplo, através da agitação e propaganda nas novas e velhas mídias. Ofensiva contra a qual o governo e o Partido não ofereceram devida resistência. Pelo contrário: na Comunicação, na Casa Civil e em outros ministérios, brotam frequentes sinais de apoio prático e retórico às teses de direita.
6. Finalmente e mais importante, tornou-se frequente confundir a fotografia com o filme. A fotografia dos índices de pesquisa era favorável. Mas o filme mostrava uma realidade em movimento: uma mudança na postura do grande capital em relação ao nosso governo; a radicalização política e ideológica de setores médios contra as posições de esquerda; a insatisfação crescente de setores da classe trabalhadora tradicional; e uma ambiguidade no apoio da "nova classe trabalhadora". Mostrava, também, grandes novidades geracionais: a mais alta proporção de jovens e jovens trabalhadores no conjunto da população, com acesso a empregos precários e mal remunerados, dividindo seu tempo entre trabalho, estudo e transporte, o que ajuda a entender porque a qualidade do transporte e o valor das tarifas são temas tão sensíveis.
7. Estes e outros elementos eram completamente perceptíveis antes do 13 de junho de 2013. Tomados isoladamente ou de conjunto, as reuniões das direções partidárias, de nossas bancadas, das nossas lideranças sociais e intelectuais apontavam para tais problemas. Mas o Partido como um todo, e o governo em especial, foram incapazes de sintetizar isto numa orientação alternativa. O que reforça algo que todos sabemos: é preciso mudar a dinâmica partidária, bem como a relação entre partido e governo. E sem cair na tentação de personificar os problemas, pois não podemos desconsiderar os equívocos coletivos, alguns dos quais se acumulam desde 1995, outros desde 2003.
8. A partir de 13 de junho de 2013, a quantidade converteu-se em qualidade, num processo de mobilização social que devemos analisar com o máximo de atenção. Cabe ao Partido, e também a nós, reunir o conjunto de informações e interpretações acerca do processo e elaborar uma síntese capaz de nos orientar melhor na luta política. De imediato, algumas variáveis já podem ser apontadas.
9. Em primeiro lugar, é preciso atentar para a heterogeneidade do processo. Não apenas a existência de múltiplos movimentos, setores sociais e políticos envolvidos, disputando e sendo disputados. Mas também a existência de etapas distintas no processo, cada qual com um sentido e hegemonia distintas. Está claro, por exemplo, que o movimento começou em torno da luta contra as tarifas do transporte urbano; cresceu como movimento de solidariedade contra a repressão policial; depois entrou numa terceira fase, onde a direita passou a disputar com força a condução do movimento; houve então uma reação do governo e das esquerdas, em torno principalmente da proposta de Plebiscito; nos próximos dias, estão convocadas várias mobilizações, desde o locaute convocado por setores da direita para o dia 1/7, até a mobilização das centrais sindicais nos dias 4 e 11/7. É fundamental, portanto, fazer análise concreta da situação concreta.
10. Em segundo lugar, é importante destacar a predominância da juventude. Cabe analisar melhor o perfil deste setor social que foi às ruas. E atentar para o fato de que a juventude, especialmente nas periferias, é alvo de uma pauta predominantemente negativa: violência do Estado, toque de recolher, redução da maioridade penal, com 30 mil jovens negros morrendo todo ano. Numa primeira aproximação, podemos dizer que, ao menos numa primeira etapa, foi às ruas uma juventude trabalhadora ou filha de trabalhadores, com idade média até 25 anos e formação predominante universitária, exatamente o setor social e geracional que nossas próprias pesquisas e análises indicavam estar ganhando distância frente ao PT. Aliás, chama a atenção que alguns que antes comemoravam a “entrada de milhões na classe média”, agora criticam as manifestações por estarem “compostas predominantemente por gente de classe média”: tanto a comemoração anterior quanto a ojeriza posterior incidem em erros, sociológicos e políticos. http://www.pt.org.br/noticias/view/artigo_marilena_e_a_turma_do_farol_por_valter_pomar A verdade é que a intensa mobilização juvenil, de uma geração que nasceu depois da campanha das Diretas Já, quebrou dois mitos: o de que a juventude seria naturalmente de esquerda e progressista; e de que seria uma juventude alienada e desinteressada da política.
11. Em terceiro lugar, é necessário reconhecer o sentido em geral progressista das demandas e do processo http://pagina13.org.br/2013/06/que-as-manifestacoes-nao-sejam-passageiras/ Ampliação dos direitos sociais e mudança no sistema político do país são bandeiras do PT, da esquerda, dos setores progressistas do Brasil. Tarifa zero, como educação e saúde públicas, não são plataforma da direita, do grande capital e dos setores conservadores, ainda que estes setores busquem apropriar-se oportunisticamente destas bandeiras, para tentar dirigir um movimento cujo conteúdo é no limite contraditório com seus interesses de classe. Como já apontaram muitos, o sentido das ruas está em contradição com o desejo dos mercados.
12. Em quarto lugar, é fundamental perceber que se trata de um movimento originalmente espontâneo. É curioso como dirigentes importantes da esquerda, oriundos eles mesmos de uma situação semelhante no final dos anos 1970 (“quanto novos personagens entram em cena”), tenham hoje dificuldade de reconhecer ou de aceitar que outros possam fazer o mesmo. Freud explica. Claro que em todo movimento espontâneo há incoerências e confusão, elementos organizados, disputa política, interferência da direita, momentos de fluxo e refluxo, desfechos incertos. Mas exatamente isto é um movimento espontâneo: a eclosão súbita de centenas de milhares de pessoas na rua, pessoas que passam a querer ter ação política, as vezes superando e atropelando até mesmo as ações e forças sociais organizadas, que por exemplo estiveram presentes desde o início no Movimento Passe Livre.
13. Em quinto lugar, é decisivo entender que sem um forte deslocamento da correlação de forças, seríamos derrotados, ou na eleição, ou na condução do governo. Derrota que em certa medida já vinha se dando, pois apesar da batalha dos juros, o governo não estava conseguindo manter o ritmo das mudanças, fazendo cada vez mais concessões ao grande capital e a setores da direita. E, graças à eclosão popular ocorrida desde 13 de junho, abriu-se a possibilidade de deslocar a correlação de forças para a esquerda.
14. Em sexto lugar, é prudente atentar que o desfecho está em aberto. O consórcio mídia-partidos de direita está disputando a consciência popular, as pautas da mobilização, o sentido geral do movimento. Querem converter um movimento de pressão por mais políticas públicas e mais democracia política, num movimento contra o PT e contra o governo. Ainda que com propósitos distintos, setores da oposição de esquerda têm o mesmo objetivo, acreditando que é possível ultrapassar o PT pela esquerda, embora os acontecimentos tenham demonstrado de novo que uma derrota do PT abriria caminho para a derrota de toda a esquerda. Neste sentido, saudamos e nos empenhamos nas diversas iniciativas de unidade democrática anti-fascista das diferentes forças da esquerda político-social. E alertamos para o fato de que setores da oposição de direita estão apostando na desestabilização da economia, inclusive recorrendo a locautes ("greve" articulada por empresários).
15. Todas estas variáveis apontam qual deve ser nosso caminho: disputar os rumos do processo, não contra ele, mas apoiando-se no ambiente de mobilização, para realizar mais mudanças sociais e políticas no Brasil, aprofundando o curso iniciado em 2003. Cabendo ter claro que disputar os rumos do processo não é igual a “disputar os movimentos sociais” que conhecemos e com os quais estamos habituados. E tendo claro, também, que o ambiente político no Brasil mudou: a direita brasileira resolveu adotar uma tática de desestabilização semelhante a adotada pela direita venezuelana, articulando mídia e oposição partidária, com disputa de rua. A tentativa de realizar uma greve geral via face book, na verdade um locaute empresarial disfarçado, é outro exemplo disto.
16. A rigor, isto tampouco constitui novidade absoluta. No Chile de Allende, na já citada Venezuela, na Bolívia e noutros países, a direita também busca legitimar-se nas ruas. No Brasil dos anos 1960, a direita ocupou as ruas. E, nos últimos anos, a direita brasileira vinha ensaiando novamente esta tática, seja usando igrejas conservadoras,
seja estimulando movimentos como o “Cansei”. Há pouco, tivemos as ondas de boato sobre o "apagão", a "inflação" e o "fim da bolsa família". Agora, tentam cavalgar um movimento social espontâneo. Utilizam para isto técnicas e tecnologias adotadas em outros países do mundo, mas também procedimentos tradicionais de ultra-direita, entre os quais a infiltração policial, mobilização de criminosos e lumpens, tropas de choque fascistas, preconceito religioso. Mas estas técnicas operam no movimento, não são responsáveis pela sua eclosão.
17. Também aqui, cabe a nós do PT fazer uma autocrítica. Nos anos 1980 e 1990, o petismo era o principal veículo da insatisfação com os problemas políticos e sociais brasileiros. Eram os tempos em que Lula fazia referência aos "300 picaretas" que dominavam o Congresso Nacional. A medida que fomos nos tornando parte da institucionalidade, reduzimos progressivamente aquela dimensão fundamental de nossa atividade. E, como já dissemos em 1993 no Manifesto A Hora da Verdade http://pagina13.org.br/apresentacao/quem-somos/ o em si positivo crescimento institucional foi acompanhado da domesticação do Partido, com a adesão de crescentes setores do petismo à norteamericanização da política (dinheiro, mídia, marketing eleitoral). A crise de 2005 deve ser vista neste contexto, e nossas dificuldades em equacionar o tema ajudou a direita a ganhar amplos setores da população, para a tese segundo a qual o PT seria um partido “tão corrupto quanto os demais”. Para piorar, a domesticação e institucionalização do petismo foi acompanhada pela burocratização e esvaziamento não apenas do Partido, mas também de muitas organizações oriundas dos movimentos sociais. Abriu-se, especialmente na juventude, um vácuo que tampouco foi ocupado pela esquerda não-petista. É neste espaço que os diferentes setores da oposição de direita buscam operar.
18. Ou recuperamos nossa capacidade de vocalizar a indignação “com tudo que está aí”, abandonando a incorreta ideia de que ser governo nos impediria de tomar esta atitude, ou no médio prazo poderemos ser varridos. Isto que é chamado de sentimento "antipolítico", deve servir de base para a defesa de outro tipo de política, portanto contra a política e os políticos conservadores, tradicionais, de direita. O sentimento expresso na frase "não me representa", deve levar a esquerda política e social a abrir nossas organizações à nova militância surgida neste processo; e adotar uma nova dinâmica de funcionamento, vinculada às bases sociais, presentes no cotidiano do povo, participando do debate cultural e ideológico, recuperando o sentimento crítico e a radicalidade programática.
19. Fazer isto implica, também, em combater os sinais de preconceito geracional presentes em algumas análises feitas, por setores da esquerda, acerca da mobilização iniciada dia 13 de junho.
20. Há muitas experiências históricas mostrando o que acontece com uma esquerda que pretende viver de glórias passadas. Lembramos que aquilo que constitui “conquista” para uma geração, é “parte da paisagem” para as gerações seguintes. E será assim, especialmente quando as gerações anteriores se burocratizam e, ao mesmo tempo, se demonstram incapazes de garantir comunicação de massas, educação pública e formação político-ideológica para as novas gerações.
21. Grande parte dos que foram às ruas a partir de 13 de junho são produto do país que nós ajudamos a construir. Que as manifestações tenham sido por mais direitos, e não contra o corte deles, nem por salários e empregos, é um sinal disto. Mas cabe lembrar: este é um país profundamente desigual e contraditório, em que o neoliberalismo continua ideológica e economicamente hegemônico, ao passo que a esquerda parece ser politicamente hegemônica. Esta contradição, quase um paradoxo, está na base de grande parte de nossos problemas, e a política de coalizão com a centro-direita adotada pelo Partido amplia a dificuldade, pois parece aos olhos da juventude e de outros setores que somos apenas e tão somente parte integrante do sistema. Duas fotografias simbolizam os equívocos decorrentes da indiferenciação: a imagem de Fernando Haddad com Paulo
Maluf, durante a campanha eleitoral de 2012;e a fotografia do prefeito com o governador Geraldo Alckmin, no anúncio da redução das tarifas.
22. A análise de que foi às ruas a “geração face book”, reforçada pelas palavras-de-ordem múltiplas ao estilo dos posts dos murais do face, tem um pouco de verdade. Mas é bom lembrar que as organizações tradicionais da esquerda também tem apresentado pautas reivindicatórias pulverizadas. Por outro lado, não devemos superestimar o papel das redes: sem o impacto da grande mídia tradicional, especialmente das televisões, as mobilizações não teriam a mesma força. Seja como for, é ótimo que os jovens tenham saído às ruas, superando as limitações inclusive físicas das redes sociais virtuais. Este é um processo pedagógico, para eles e para todos, para os que foram às ruas e para os que não foram. Além de estimular certa esquerda acomodada a movimentar-se, nem que seja por auto-defesa; além de proporcionar uma reflexão muito útil sobre os riscos de certa retórica nacionalista e de certa crítica rasa aos partidos, ambas atitudes presentes em setores da própria esquerda organizada.
23. A pedagogia do processo inclui aprender a neutralizar o vandalismo lumpen e combater a presença do crime organizado. É preciso, também, aprender a lidar com a atitude de grupos radicalizados como os anarcopunks. Ao mesmo tempo, é crucial impedir que o movimento seja capturado pela direita. Por isto, é importante identificar e derrotar os setores neofascistas, skinheads e grupos paramilitares de direita e, principalmente, impedir que o movimento seja capturado pela pauta da direita. Sem incorrer no erro e na pretensão de tutelar o movimento, para atingir estes objetivos, cumprem papel fundamental as organizações tradicionais da classe trabalhadora, o papel da velha guarda, da esquerda organizada, da militância com experiência em lutas anteriores. Sobre isto, com todos os cuidados que a situação exige, nossa posição é clara: as ruas são de todos e delas não seremos expulsos pelos herdeiros dos galinhas verdes.
24. Tampouco aceitamos a criminalização dos movimentos sociais e a violenta repressão desencadeada pela Polícia Militar, sob ordem de governos tucanos e de direita. E alertamos que algumas atitudes posteriores da Polícia --como a de adotar uma atitude "passiva" e de "reação tardia" frente ao vandalismo-- parecem estar a serviço de criar um clima de medo e desgoverno, para justificar e legitimar o posterior chamamento às "forças da ordem".
25. É bom dizer que a geração que foi às ruas na primeira etapa do movimento, basicamente gente com sensibilidade de esquerda, foi surpreendida pela atitude de algumas autoridades filiadas ao PT. Estas atitudes desencontradas contribuíram muito para confundir, aos olhos de setores da população, as nossas posições com as posições do tucanato. Imaginemos: qual teria sido o curso dos acontecimentos, caso Fernando Haddad tivesse, desde o primeiro dia, suspendido o aumento das passagens na cidade de São Paulo? Ou caso o ministro Cardozo tivesse criticado a violência policial desde o primeiro dia? Ou ainda se o conjunto do PT tivesse reconhecido que a tarifa zero obedece a mesma inspiração da saúde e da educação públicas, a saber, diferentes maneiras de garantir um direito social? Neste sentido, saudamos a atitude legitimamente petista de militantes, instâncias, parlamentares e autoridades executivas ligadas ao PT, que souberam compreender o recado das ruas e com elas interagiram adequadamente.
26. Entretanto, o conjunto dos acontecimentos de Junho confirmou que uma parte da esquerda brasileira converteu-se à tecnocracia, tratando o povo como “paciente”. Paciente no sentido de ser “objeto” e não sujeito dos processos. E “paciente” no sentido de ter “paciência”.
27. Para os que adotam esta postura tecnocrática, é muito difícil compreender o papel que a luta social pode jogar na transformação social. As condições históricas levaram o setor majoritário da esquerda brasileira, especialmente o PT, a lutar por ser governo, nos marcos da ordem capitalista e de um Estado conservador. Exatamente por isto, esta esquerda não pode diluir-se nas instituições e tornar-se defensora do status quo; ao contrário, deve preservar sua vocação anti-sistêmica, democrático-popular e socialista, para fazer de sua presença no Estado a contra-mola que resiste, altera e transforma.
28. No caso concreto, as mobilizações em curso podem nos ajudar a defender a ampliação dos direitos sociais, contra a ortodoxia fiscal. Ajudar a fazer a reforma política, contra o conservadorismo do atual parlamento brasileiro. Ajudar a colocar as reformas estruturais na pauta política do país. Aliás, um dos saldos deste processo é nos lembrar, a todos, que a correlação de forças e a agenda política do país podem ser alteradas, e que a luta de massas tem esta capacidade.
29. Como já se convencionou dizer, é hora de fazer do limão, limonada. Partir do quadro atual, para aprofundar as mudanças e fazer a reforma política. Aliás, é bom reafirmar: sem reforma política e democratização da comunicação, não terá futuro a estratégia defendida pelo PT. Posto de outra maneira, não há como prosseguir mudando o país, sem alterar as instituições estatais brasileiras. E não há como fazer esta alteração apenas de dentro para fora: é preciso que a pressão social entre em cena. Infelizmente, apesar dos esforços das organizações populares, a pressão recente não surgiu por nossa iniciativa; mas felizmente surgiu. Por isto, consideramos que foi absolutamente correto reconhecer a legitimidade das mobilizações e de suas demandas, assim como apontar o Plebiscito e a Constituinte como caminhos para tradução institucional da pressão social. Mas também por isso, consideramos essencial colocar em movimento a classe trabalhadora: é isto e a ação articulada de nossas organizações que pode derrotar a movimentação da direita.
30. Claro que a direita repudia a Constituinte e o Plebiscito. Confirmando o divórcio entre capitalismo e democracia, temem que a pressão das ruas produza uma reforma política que lhes tire poder. A isso respondemos: todo o poder ao povo, viva a soberania popular e a democracia. Claro, também, que a direita pretende direcionar a insatisfação social em direção aos partidos de esquerda, especialmente ao PT. A direita pode fazê-lo, pois os partidos são para ela parte totalmente secundária de seus aparatos de poder (entre os quais destacam-se o oligopólio da mídia, mas também suas casamatas incrustadas dentro do aparato do Estado). Nossa resposta deve ser defender uma política e partidos de novo tipo. Ou seja: não os partidos em geral, não a política em geral, mas a política e os partidos vinculados aos interesses da maioria do povo. Claro, ainda, que a direita busca manipular o movimento contra o governo Dilma. A isto respondemos fazendo a defesa e fortalecendo nosso governo, a começar pela presidenta Dilma, que nesta crise mostrou capacidade de reação, liderança e faro político.
31. Da mesma forma, devemos defender e reafirmar nosso passado e os êxitos de nossos governos, defender nossa ação presente, mas reconhecendo as contradições, equívocos e debilidades. Mas devemos sobretudo dar ênfase ao futuro, ao Brasil que queremos. E apontar com clareza qual a base de nossas dificuldades: o capital financeiro, as transnacionais, o agronegócio, o latifúndio tradicional, o oligopólio da mídia, o controle de setores privados sobre largos setores do aparato de Estado, a mercantilização da política. Motivo pelo qual é mais atual que nunca a pauta das grandes reformas estruturais, como as reformas tributária, agrária e urbana, a democratização da mídia e da política, a ampliação das políticas públicas e do papel do Estado.
32. Na mesma linha, cabe-nos rearticular nosso bloco político-social: governos, movimentos, partidos, intelectualidade, bases sociais e eleitorais. O Partido dos Trabalhadores, em especial, deve repactuar suas
relações com os movimentos sociais e com as bases populares. Isto inclui, por exemplo, realizar plenárias – setoriais, municipais, estaduais e nacionais – dos militantes petistas que atuam nos movimentos sociais. E reorganizar, em novas bases, algo como foi o “fórum nacional de lutas”, articulando partidos e movimentos sociais do campo popular. Mas inclui principalmente tratar de outra forma temas variados, que estão na origem de conflitos no seio das forças populares: as demandas da CUT, os leilões do petróleo, a reforma agrária, o fator previdenciário, o respeito aos indígenas, a defesa das causas LGBT, as politicas de gênero, os gastos da Copa, a política de transporte urbano, o controle do ministério das Cidades pela direita, alianças intragáveis etc.
33. Cabe, ainda, fazer o Partido funcionar como Partido e ser capaz de reagir na velocidade que a luta política está impondo. Nesta crise, como em tantas outras, confirmou-se que atuamos muitas vezes como “partido de retaguarda”, que sabe operar predominantemente nos anos pares.
34. Como parte da disputa das ruas, o PT deve participar organizadamente das atividades convocadas pela Central Única dos Trabalhadores dia 4 de julho; e também das atividades convocadas pelo conjunto das centrais, no dia 11 de julho. Nossa ênfase deve ser na defesa da pauta da CUT: contra o PL 4330, da “terceirização” que retira direitos dos trabalhadores brasileiros e precariza ainda mais as relações de trabalho no Brasil; que as reduções de tarifa do transporte não sejam acompanhadas de qualquer corte dos gastos sociais; 10% do orçamento da União para a saúde pública; 10% do PIB para a educação pública, “verbas públicas só para o setor público”; fim do fator previdenciário; Redução da Jornada de Trabalho para 40 horas sem redução de salários; Reforma Agrária; suspensão dos Leilões de Petróleo. Também defenderemos o Plebiscito proposto pela presidenta Dilma, a reforma política, a democratização da comunicação e a Assembleia Constituinte.
35. A disputa das ruas começa já nas telas de TV. O governo brasileiro está convocado a alterar imediatamente sua política de comunicação. O atual ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, foi capaz de imputar à militância petista uma posição que não é a nossa (a censura), além de nos atacar covardemente nas páginas da pior revista do país, não está vocacionado para cumprir esta tarefa. O ministério deve ser encabeçado por alguém comprometido com a democratização da comunicação social.
36. A disputa das ruas começa, também, alterando a política de comunicação do Partido. Constituir uma redação de conteúdos capaz de alimentar nossos boletins, páginas eletrônicas, programas de rádio, entrevistas e discursos em todo o país. E reconstruir nossas redes sociais, principalmente apoiando a atuação organizada de nossa militância nessa frente de luta política e ideológica.
37. O centro da tática é, neste momento, disputar e vencer o plebiscito. O que exigirá uma forte aliança política e social, que já está se conformando, entre todos os favoráveis à reforma. Ao Partido caberá de imediato, entre outras tarefas, a de contribuir no essencial debate sobre quais serão as perguntas feitas à população. Proposto para 7 de setembro, o plebiscito pode criar as condições institucionais necessárias não apenas para reeleger Dilma, mas para fazê-lo de forma a que o segundo mandato seja superior ao primeiro.
38. Para vencer o plebiscito, é fundamental que haja condições democráticas, o que começa por definir regras claras, horário eleitoral de rádio e TV, limites ao financiamento das diferentes posições, democracia nos meios de comunicação.
39. Também é fundamental a definição de quais temas devem ser objeto de debate e votação, no Plebiscito. De saída é importante que o conteúdo e a redação das perguntas dialogue com o sentimento popular, de negação da atual maneira de fazer política. Por isto, tão importante quanto as alternativas de sistema eleitoral (voto distrital, em lista ou distrital misto) e a fidelidade partidária, são temas como a introdução de instrumentos de democracia
direta, extirpar a fonte de corrupção que é o financiamento empresarial das campanhas eleitorais, garantir a proporcionalidade na eleição de parlamentares, a paridade de gênero na composição das bancadas, o fim do Senado com a introdução do unicameralismo etc.
40. E, com destaque, a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, bandeira correta, aprovada e reafirmada pelo Partido, a única compatível com a necessidade de alterar de conjunto e democraticamente a institucionalidade brasileira. A esse respeito, o governo deveria ter mantido a proposta combinada de Plebiscito e Constituinte "específica", para fazer a reforma política.
41. É nestes marcos de intensa luta política e social que ocorrerá o processo de eleição das direções partidárias, o chamado PED. Trata-se de uma coincidência feliz, pois permitirá à militância construir, através do debate, uma nova estratégia para um novo período, de maiores conflitos políticos e sociais, cuja solução positiva exige a realização de reformas estruturais. Um cenário adequado, também, para que o Partido reveja de alto a baixo sua organização, reconstruindo suas instâncias e organismos de base, revendo seus métodos de funcionamento e ação, e principalmente adotando uma nova estratégia, elegendo uma direção que seja capaz não apenas de reconhecer os novos tempos, mas também – e principalmente – capaz de agir em conformidade com isto.
42. Vivemos novos tempos, apesar dos perigos. As próximas semanas podem confirmar o potencial mudancista do processo, ou podem resultar numa reversão conservadora, como é o sonho daqueles que comemoram os resultados de recentes pesquisas de opinião. Cabe a cada um de nós, militantes de esquerda, sustentar as bandeiras vermelhas da esperança e do socialismo.
Articulação de Esquerda (tendência interna do PT) - 30 de junho de 2013