quarta-feira, 2 de maio de 2012

Belo Horizonte existe


Uma cidade não é uma empresa 
ANTÔNIO DE FARIA LOPES
Advogado
 Uma cidade é diferente de uma empresa. A primeira pertence aos cidadãos. É o lugar de viver, é a terra da gente. É onde nascemos, onde temos o umbigo enterrado, nossa propriedade coletiva. A empresa é onde trabalhamos. Não nos pertence, os donos são nossos patrões. Seu objetivo é o lucro. O bem-estar dos cidadãos é secundário. O sucesso das empresas, que aumentam seus resultados a cada ano, comparado com os também sempre crescentes déficits das cidades, faz nascer um impulso que quer levar para as administrações municipais gestores competentes. Eles prometem acabar com todos os problemas - como fazem todos os candidatos - e, especialmente, equilibrar as finanças públicas. Quem sabe até construir cidades "lucrativas".

A burocracia, cada vez mais exigente e atrasada, engessa a administração pública e alimenta o desejo de rapidez nas decisões e eficiência no fazer, o que facilita a propaganda dos que defendem a transformação das cidades em empresas. A corrupção, já uma endemia, é outro fator favorável à mudança de foco das eleições e da política. Os profissionais da política vão perdendo credibilidade pelo discurso vazio e, principalmente, pelos seus atos. A maioria deles pensa apenas na próxima eleição e nos aliados que vai conquistar para obter votos e financiar suas campanhas cada vez mais dispendiosas.

Começa por aí a "aliança" dos profissionais da política com os do lucro. Os que entram com o financiamento vencem as licitações, os que aparentemente estão no poder recebem sua comissão e o compromisso de que tudo se repita na eleição seguinte. Os partidos, que são indispensáveis para que tudo pareça legal e correto, coligam-se para ter mais tempo de propaganda na televisão, ocupar fraternalmente os espaços de poder e garantir a "governabilidade". Os marqueteiros preparam a propaganda depois de pesquisarem o que o povo quer ouvir e editam um caderno chamado "programa de governo" que nem os candidatos leem.

E o povo? Onde fica quem é, pelo menos, na definição de democracia, o dono do poder? Vamos nos acostumando e aceitando tudo o que decidem por nós. Como no poema de Eduardo Alves Costa (atribuído erradamente a Brecht), vai chegar o dia que "o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada".

Belo Horizonte é o exemplo mais ilustrativo de como o povo foi posto para escanteio. As articulações são todas de cúpula. Nenhum problema da cidade é discutido. O que importa é a manutenção do poder por forças falsamente opostas e cujos interesses são comuns. A especulação imobiliária, o desprezo pelo meio ambiente, a insegurança crescente, as obras todas voltadas para uma efeméride - a Copa do Mundo - da qual o belo-horizontino estará ausente. Ou será que nos interessa a construção de hotéis que antecipam o fim da Pampulha? Um mês de festas para os empresários, inclusive os do futebol. Nem se lembram de que Belo Horizonte é uma cidade.

Fonte: O TEMPO 

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