sexta-feira, 31 de julho de 2015

Mangabeira: o Brasil é um protetorado americano !

Se os EUA desligarem o GPS, a Marinha brasileira se guiará como Cabral e Colombo !





“Sou pessoalmente um defensor de democratização da propriedade nos meios de comunicação”



O Brasil precisa de um avanço tecnológico de vanguarda para ganhar protagonismo.

Essa é a opinião do ministro de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Roberto Mangabeira Unger, em entrevista a Paulo Henrique Amorim.

Unger é professor de filosofia na Universidade de Harvard e responsável por conceber um novo caminho de desenvolvimento para o país.

No Governo Lula ele também foi ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, quando formulou um Plano de Defesa e contribuiu para a demissão da Bláblárina –aquela bagróloga.

Lula decidiu entregar  a ele e não a ela formulação de uma política para a Amazônia – e ela foi embora (não sem tempo !).

Na entrevista dessa quarta-feira, 29/07, Mangabeira disse a PHA que o Brasil tem que escolher que tipo de aproximação deve ser feita com os Estados Unidos: se dependente ou não em setores estratégicos, como o nuclear, o cibernético e o espacial.

“Eu defendo há muito tempo a aproximação com os EUA. Entendo que teríamos muito a ganhar com uma relação estratégica com os EUA. Talvez uma inibição mais poderosa dessa aproximação é a dependência em que nos encontramos frente aos EUA. Quase toda a nossa comunicação de internet com o mundo, inclusive com a Europa e a Ásia, passa pelos EUA. Eu tenho dito que, se persistir essa situação, na prática, o Brasil é um protetorado dos Estados Unidos. O Brasil precisa decidir se quer ou não quer ser um protetorado dos EUA”, afirmou Mangabeira.

(Clique aqui para ler “O Brasil tem cyber-segurança ? Não !”).

E continuou: “O Brasil é um caso único na história moderna de um país da nossa dimensão que emerge sem pretensões imperais. O Brasil ascende sem imperar. Para que o Brasil possa se rebelar, precisa poder dizer não. E para poder dizer não precisa defender-se. E para se defender precisa ter tecnologia de vanguarda que não dependa das grandes potências do mundo”.

Mesmo com a Operação Lava-Jato e o ajuste fiscal, o ministro acredita que esta seja uma oportunidade para mudanças no país.
“A necessidade é a mãe da invenção. Agora, sim, na hora do aperto fiscal, da queda econômica e da confusão política podemos começar a persuadir o Brasil a se reinventar. Essa é a hora, esse é o momento mágico da transformação estrutural”, sugere.
Na entrevista, o ministro fala em uma nova estratégia nacional de desenvolvimento.

“O Governo está comprometido. É uma estratégia baseada em capacitações educacionais e oportunidades produtivas. A maior parte das nossas empresas continua afundada em um primitivismo produtivo, embora tenhamos uma cultura empreendedora vibrante. Uma parte dessa estratégia é tirar as empresas de seu primitivismo e fomentar o empreendedorismo de vanguarda no Brasil. Para isso, precisamos de um choque de ciência e tecnologia”, esclarece.

Para completar: “E o complexo industrial de defesa, inclusive os setores estratégicos – nuclear, cibernético e o espacial – representa um terreno privilegiado para desenvolver o vanguardismo tecnológico”.

Unger acredita que o Brasil deve ser uma potência revisionista, e crê que a educação necessita de um outro rumo, inclusive na questão dos currículos escolares:

“O que seria melhor para nós seria fazer diferente no Brasil e introduzir cada área do conhecimento de pontos de vista contrastantes. De tal forma a formar uma nação de rebeldes e assegurar que os jovens cheguem à universidade imunizados contra o servilismo intelectual. Isso é o mais importante, a nossa auto-formação”, admite. 

Segundo ele, a solução não é mais dinheiro. “Nós estamos acostumados no Brasil a resolver todos os problemas com dinheiro. A verdade é que ideias, traduzidas em inovações audaciosas, são recursos mais escasso do que dinheiro”, opina.

Sobre o papel dos meios de comunicação em relação à estratégia do Governo, ele foi enfático: “Eu sou um defensor pessoalmente de democratização da propriedade nos meios de comunicação. Não se trata de regular, de vigiar a imprensa como ela se organiza hoje. Trata-se de multiplicar os passos para o debate coletivo. É disso que o Brasil já precisa. E isso não é nenhum devaneio”, sentenciou antes de alertar que essa era uma opinião dele e não do Governo.


Leia a entrevista na íntegra:

PHA: Setores estratégicos da Economia, como petróleo e agora a energia nuclear, correm o risco de ser desmontados por ação da Justiça e da própria Polícia Federal. Empresas como a Petrobras, a Odebrecht e a Eletronuclear podem virar, em pouco tempo, um pátio de escombros. O senhor faz parte de um Governo que aparenta incapacidade de impedir que isso se concretize. Por que o Governo age assim?
Mangabeira: O Governo está comprometido com a construção de uma nova estratégia nacional de desenvolvimento. Uma estratégia baseada em capacitações educacionais e oportunidades produtivas. A maior parte das nossas empresas continua afundada em um primitivismo produtivo, embora tenhamos uma cultura empreendedora vibrante.
Uma parte dessa estratégia é tirar as empresas de seu primitivismo e fomentar o empreendedorismo de vanguarda no Brasil. Para isso, precisamos de um choque de ciência e tecnologia.
E o complexo industrial de defesa, inclusive os setores estratégicos – nuclear, cibernético e o espacial – representam um terreno privilegiado para desenvolver o vanguardismo tecnológico.


PHA: O senhor lança a sua visão para um futuro grandioso, mas estamos diante de um fato concreto que é a possibilidade de termos uma obstrução do processo de construção da energia nuclear. O senhor não acha que o Governo deveria ser mais enfático na defesa?

Mangabeira: O Governo tem um compromisso com esse vanguardismo tecnológico. O Governo não pode impedir o curso da Justiça. 
Agora, o que eu vejo é que há um problema que tem a ver com a relação entre o nosso desenvolvimento interno, inclusive o desenvolvimento da tecnologia de vanguarda nesses setores, e a nossa posição no mundo.
Veja a situação das nossas relação com os Estados Unidos. Eu defendo há muito tempo a aproximação com os EUA. Entendo que teríamos muito a ganhar com uma relação estratégica com os EUA. Talvez uma inibição mais poderosa dessa aproximação é a dependência em que nos encontramos frente aos EUA. Quase toda a nossa comunicação de internet com o mundo, inclusive com a Europa e a Ásia, passa pelos EUA. O governo americano pode ver todas as comunicações internas do Brasil. E estamos inteiramente independentes do GPS americano. Se os EUA decidissem desligar o GPS teríamos que conduzir os nossos navios de guerra por navegação astronômica. Essa é a realidade.
Eu tenho dito que, se persistir essa situação, na prática, o Brasil é um protetorado dos Estados Unidos. O Brasil precisa decidir se quer ou não quer ser um protetorado dos EUA. As nossas Forças Armadas não são para serem uma força policial que mantenha tranquilidade na América do Sul, como um braço acessório da defesa americana. Nós queremos uma Defesa de verdade. Para isso, precisamos construir o avanço tecnológico, inclusive nos setores cruciais, e só com essa independência é que podemos ser parceiros dos EUA. Parceiros, sim. Satélites e protegidos, não.


PHA: O senhor, durante o Governo Lula, ajudou a formular a Estratégia Nacional de Defesa, que virou lei em 2008. Quais são os pontos cardeais dessa estratégia?
Mangabeira: Um dos eixos é a construção do Complexo Industrial da Defesa. Ali nós prevemos que o Estado, na produção de Defesa, deve operar no teto tecnológico em vez de ter aquilo que historicamente temos tido que é a produção primitiva desvinculada da pesquisa e pesquisa sem vazão produtiva. E, ao mesmo tempo, construir para as empresas privadas um regime jurídico especial de compras públicas que as exima das regras gerais de licitação, mas que, em troca, assegure ao Estado um poder estratégico nessas empresas.
Outro elemento no Complexo Industrial da Defesa é o compromisso com o avanço nos setores estratégicos. Isto é um grande instrumento para o erguimento do país para que se defenda e se desenvolva. Eu não quero viver em um mundo onde só os meigos são desarmados e os beligerantes estão armados até os dentes.
O Brasil é um caso único na história moderna de um país da nossa dimensão que emerge sem pretensões imperais. O Brasil ascende sem imperar. Para que o Brasil possa se rebelar, precisa poder dizer não. E para poder dizer não precisa defender-se. E para se defender precisa ter tecnologia de vanguarda que não dependa das grandes potências do mundo.



PHA: Mesmo em relação aos Estados Unidos ? O senhor cita, por exemplo, que o Barão de Rio Branco e Joaquim Nabuco – “fundadores da política exterior brasileira” – perceberam o que o senhor chama de “nações irmãs”: o Brasil e os EUA que têm afinidades profundas. Ao mesmo tempo, o senhor disse que os EUA não permitirão que qualquer país ganhe em qualquer região do mundo uma ascendência tão incontrastável que sirva de base a buscar uma hegemonia mundial. Devo entender, então, que nessa aliança de “nações irmãs” caberá sempre ao Brasil um papel subalterno, de sub-potência?
Mangabeira: Não. O que eu digo é que a política exterior dos EUA sempre repousou sobre dois princípios.
O primeiro é que os EUA não permitirão que qualquer país ganhe, em determinada região do mundo, uma ascendência tão incontrastável que sirva de base para pleitear uma hegemonia mundial.
O segundo é que no Hemisfério Ocidental os EUA exercerão uma ascendência incontrastável.
Nós não podemos aceitar esses dois princípios, pois são incompatíveis com a nossa construção nacional. O que podemos fazer é construir uma teia de relações de iniciativas comuns, sobretudo iniciativas a serviço da democratização das oportunidades educacionais e econômicas nas Américas. Para que isso aconteça, a preliminar é que não sejamos um protetorado deles. E daí a importância da independência tecnológica.



PHA: O senhor acha que essa associação do Brasil aos BRICS permitirá esse tipo de independência?

Mangabeira: Os BRICS são um instrumento poderoso de mudança do quadro mundial, mas é preciso ter clareza a respeito das limitações e das oportunidades desse movimento.
Os grandes países emergentes como o Brasil, a Rússia, a Índia e a China estão tentados a apenas pleitear uma posição melhor dentro da ordem mundial existente. A ordem de segurança,  monetária e a comercial.
Eu entendo que o nosso interesse profundo é fazer mais do que buscar um lugar ao sol dentro da ordem existente. É mudar essa ordem.
Vou dar um exemplo do regime comercial que está sendo construído no mundo sob a égide dos tratados da Organização Mundial do Comércio e dos novos blocos regionais como o Transpacífico, que os EUA estão organizando. Ali, a tendencia é construir um regime comercial baseado no que se pode chamar de “o maximalismo institucional”. Não é apenas aderir à economia de mercado. É aderir a uma variante especifica da economia de mercado. Por exemplo, uma variante que proíbe, sob o rotulo de subsídios, todas as formas de coordenação estratégica entre governos e empresas que os países hoje ricos usaram para enriquecer. Outro exemplo, uma variante que quer incorporar as regras do comércio, o odioso regime de propriedade intelectual, que foi desenvolvido no final do século XIX, o regime de patentes, que deixa as tecnologias mais importantes para a humanidade nas mãos de um pequeno número de multinacionais.
O nosso interesse como potência emergente, que coincide com o interesse da humanidade, é ser uma potência revisionista. No caso da ordem mundial do comércio, é dizer que queremos o minimalismo institucional. O máximo de abertura econômica com um mínimo de restrição aos experimentos institucionais necessários ao nosso desenvolvimento.
Projeto forte externo como esse só vai existir na medida em que tivermos um projeto interno forte. A minha preocupação maior é que o Brasil tenha um projeto interno forte, que dê braços, asas e olhos a nosso atributo mais importante que é a vitalidade do Brasil.


PHA: A única novidade que a oposição apresentou nos últimos tempos é fazer com que o Brasil se integre à TTP, Transpacific Partnership (do Presidente Obama).
(Clique aqui para ver as ideias mais “novas” do ex-professor e depois banqueiro Edmar Bacha).
O senhor, portanto, considera que isso não é uma boa ideia?

Mangabeira: Nós estamos engajados na América do Sul. Nós não temos nenhum lugar natural, inclusive por geografia, no Pacífico. O que devemos fazer na América do Sul é construir uma convergência profunda em direção a um novo rumo de desenvolvimento. O Brasil e grande parte da América do Sul cedeu à tentação de basear o seu desenvolvimento apenas na riqueza fácil da natureza. É preciso dizer que essa estratégia surtiu grandes benefícios, permitiu manter a maioria dos brasileiros empregada e resgatou milhões da pobreza extrema. Mas, dependia de circunstâncias que não existem mais no mundo, como a alta no preço dos produtos primários, o crescimento da China e a abundância de dinheiro fácil.
Quando essas circunstâncias viraram, a estratégia se inviabilizou. E ao se inviabilizar revelou um defeito que ela tinha desde o início que era o de conviver com o nível muito baixo da produtividade na economia brasileira. 
Produtividade baixa não é uma categoria apenas econômica, é também uma categoria moral. Significa condenar a maioria dos cidadãos a viver vidas pequenas. O que devemos buscar é uma nova estratégia de desenvolvimento, um produtivismo includente e capacitador, que busque a riqueza dentro de nós e não apenas dentro da natureza. 
Aí estão as grandes vertentes com que estamos trabalhando no Governo.
Primeiro, a prioridade da qualificação da educação básica, a Pátria Educadora, projeto prioritário do Governo.
Em segundo lugar, um conjunto de ações que chamamos de produtivismo includente, destinado a qualificar e a democratizar o impulso produtivo no Brasil.
E em terceiro a política regional. Estratégia nacional só se efetiva no Brasil quando traduzida em política regional.


PHA: Eu tenho acompanhado as suas propostas à frente da Secretaria de Assuntos Estratégicos e percebo uma lacuna: o senhor não trata do bloqueio que a grande imprensa impõe ao Governo. O Governo não consegue sair de trás das grades que a mídia construiu no Palácio do Planalto. O senhor não acha isso relevante, estratégico?
Mangabeira: Eu sou um defensor pessoalmente de democratização da propriedade nos meios de comunicação. Não se trata de regular, de vigiar a imprensa como ela se organiza hoje. Trata-se de multiplicar os passos para o debate coletivo. É disso que o Brasil já precisa. E isso não é nenhum devaneio. Eu venho andando o país, Estado por Estado, e eu vejo que, de forma geral, a mídia regional é relativamente muito mais aberta do que a grande mídia do Sudeste. 
Agora, isso não é um projeto do Governo. Não falo em nome do Governo, falo como cidadão e pensador.


PHA: Isso também não seria um objetivo a perseguir para quem quer uma Pátria Educadora?
Mangabeira: Pode ajudar muito, mas o meu foco é o conteúdo e o método da educação. Vou dar um exemplo: estamos com a tarefa de definir um novo currículo nacional, a chamada Base Nacional Comum. No mundo em geral, os currículos nacionais costumam ser uma especie de infantilização das ortodoxias que prevalecem na cultura universitária. Projetam para baixo aquela ortodoxia.
A economia, por exemplo, como se estuda nas universidades no mundo. Não é o estudo da realidade econômica. É o estudo de um método que os teóricos desenvolveram no fim do século XIX. Há então em cada área do conhecimento há o casamento do método com a matéria. Aquele casamento é naturalizado. E há a tentativa de fazer com que os jovens confundam as ideias predominantes com a natureza das coisas. E, como isso, cheguem à universidade emasculados e já preparados para uma vida de servidão intelectual.
O que seria melhor para nós seria fazer diferente no Brasil e introduzir em cada área do conhecimento pontos de vista contrastantes. Para  formar uma nação de rebeldes e assegurar que os jovens cheguem à universidade imunizados contra o servilismo intelectual. Isso é o mais importante, a nossa auto-formação.


PHA: O senhor disse recentemente no Instituto Lula: “Proponho ousadia, não copiar currículos de ensino estrangeiros; proponho nos colocar na vanguarda”. Eu lhe pergunto, falta dinheiro?
Mangabeira: O problema maior não é nem dinheiro nem competência. O problema maior é a visão. É definir o outro rumo na educação brasileira e nos organizar de acordo. Nós estamos acostumados no Brasil a resolver todos os problemas com dinheiro. A verdade é que ideias, traduzidas em inovações audaciosas, são recursos mais escasso do que dinheiro. 
A necessidade é a mãe da invenção. Agora, sim, na hora do aperto fiscal, da queda econômica e da confusão política podemos começar a persuadir o Brasil a se reinventar. Essa é a hora, esse é o momento mágico da transformação estrutural.
Eu estou andando o Brasil e vejo que o país, fora da cultura política envenenada das elites, se move, quer aprender, construir, inventar e se reinventar.
Agora, é a hora de dar asas, olhos e braços a essa vitalidade assombrosa, anárquica e quase cega que se movimenta no país.
Eu vi isso em todo o país.
Os governadores do Centro-Oeste se reuniram em julho em Goiânia e decidiram organizar uma instituição deles, chamada Brasil Central, para começar a formar uma estratégia de baixo para cima. A concepção da política regional no Brasil tem que mudar radicalmente.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Aprendendo com os mestres: uma aula de jornalismo, por Sérgio Saraiva

Imperdível, para quem se interessa por jornalismo, o artigo do professor Elio Gaspari - “A cabeça dos oligarcas”, na Folha de São Paulo de 22jul2015. O professor Gaspari é o criador do “jornalismo mediúnico” e, no texto citado, nos dá uma aula sobre um tema extremamente atual no jornalismo brasileiro: a manipulação da informação.




O professor inicia apresentando-nos a Operação Lava Jato como uma luta do bem contra o mal. Ambos, bem e mal, como valores absolutos.
“De um lado [da Lava Jato], estão servidores a respeito dos quais não há um fiapo de restrição moral ou mesmo política. São os magistrados e os procuradores. Do outro lado está o outro lado, para dizer pouco”. 
Do lado do bem, os magistrados e procuradores. O lado do mal, o “outro lado”, tanto podem estar os réus da Lava Jato como os que criticam seus excessos, Gaspari não os discrimina. Assim como não apresenta o porquê de representarem o mal. Deixa para que cada leitor imagine, por sua conta, algo hediondo de que acusa-los.
Louvores devidos à maestria do mestre.
Gaspari não coloca entre os “fiapos da restrição moral ou política” que se poderia fazer aos procuradores e magistrados, o fato de as acusações a Aécio Neves, ainda que detalhadas e coerentes com outros casos onde o senador é envolvido, terem sido descartadas, ao mesmo tempo em que o tesoureiro do PT, João Vaccari, está preso com base na criativa tese de que as doações legais ao PT eram ilegais. Para não citar o “descuido” na análise das informações que levaram sua cunhada à prisão por ser parecida fisionomicamente com a irmã – a esposa de Vaccari.
Não lhe parece condenável que suspeitas infundadas em relação à, então, candidata Dilma Rousseff fossem vazadas às vésperas das eleições e acabassem por ser utilizadas para beneficiar seu adversário, a quem esses mesmos procuradores teciam elogios nas redes sociais.
Aqui, Gaspari, parece apoiar-se, nas lições do professor Paulo Henrique Amorim que nos ensina que, para a manipulação da informação jornalística, alguns fatos, mesmo que relacionados ao assunto tratado, “não vêm ao caso”.
Em outro sentido, Gaspari demonstra como dois opostos podem ser apresentados como estando do mesmo lado. Tal se dá quando ambos os lados podem ser apresentados como o que se costuma chamar de “farinhas do mesmo saco”. E habilmente associa o termo “briga de quadrilhas” ao governo Dilma.
"Há uma armadilha nessa afirmação [de que Eduardo Cunha esteja constrangendo o governo federal]. Ela pressupõe uma briga de quadrilhas, com Cunha de um lado e o Planalto do outro". 
Gaspari sabe, até porque Cunha não esconde, que a CPI do BNDES é uma retaliação, pouco importando a que resultado chegue. Mas o professor mostra que é possível apresentar se uma chantagem como um fato positivo.
“Ou há esqueletos no BNDES ou não os há. Se os há, a CPI, bem-vinda, já deveria ter sido criada há muito tempo. Se não os há, nada haverá”.
Seria absurdo usar o mesmo argumento para justificar uma CPI que investigasse se Gaspari, que é filho único, na juventude, estuprou sua irmã. Mas isso não vem ao caso.
Prosseguindo, o professor Gaspari mostra porque é cultuado como um dos grandes jornalistas da atualidade. Em um único parágrafo, demonstra porque o PT deve ser condenado a pagar as penas devidas pelos seus adversários.
Para tanto, compara o tratamento distinto dado pela Justiça aos casos da Lava Jato e da Castelo de Areia.
A Castelo de Areia foi uma operação da Polícia Federal que apanhou maganos, para usar um termo caro ao professor Gaspari, do DEM, José Roberto Arruda e um secretário do governo Kassab, aliados de José Serra, recebendo propina da empreiteira Camargo Correia. A Castelo de Areia também envolvia o senador Agripino Maia e Paulo Skaf, além de um filho de Ministro do TCU – Tribunal de Contas da União.
Pois bem, apesar da fartura de provas, a Castelo de Areia foi anulada nos tribunais superiores devido a filigranas jurídicas.
Como o professor Gaspari se posiciona, então?
“A verdadeira crise institucional está nas pressões que vêm sendo feitas sobre o Judiciário. Cada movimento que emissários do governo [Dilma] fazem para azeitar habeas corpus de empresários encarcerados [em prisão preventiva na Lava Jato]fortalece a ideia de que há um conluio entre suspeitos presos e autoridades soltas. Ele já prevaleceu, quando triturou-se a Operação Castelo de Areia”.
Ou seja, à leniência utilizada ao se julgar os delitos do DEM deve corresponder, como compensação à sociedade, um rigor exemplar a ser aplicado no julgamento de casos envolvendo o PT.
Gaspari não advoga que a Castelo de Areia seja reaberta, à luz da Lava Jato, mas inova magistralmente ao defender não apenas a inversão do ônus da prova em relação ao PT, mas, além, a inversão do ônus da pena. Repare-se ainda que, em nenhum momento do seu texto, Gaspari cita o DEM e sua aliança com o PSDB.
Genialidade é pouco para qualificar esse parágrafo genial.
Assim como genial é a forma como exalta indiretamente o Juiz Sergio Moro. Utiliza-se de uma analogia carregada de audácia e risco.
“Quem joga com as pretas tentando fechar o registro da Lava Jato sabe que a Polícia Federal e o Ministério Público estão vários lances à frente das pressões. Da mesma forma, quem se meteu nas petrorroubalheiras sabe que suas pegadas deixaram rastro. Curitiba dribla como Neymar. Quando baixa uma carta, já sabe o próximo passo”.
Os críticos do juiz Moro encontram analogias entre suas longas prisões preventivas para obter confissões e delações premiadas e as detenções efetuadas por seu xará, Sergio Fleury, durante a ditadura de 64. Fleury, para descobrir o paradeiro de algum adversário da ditadura, prendia seu advogado. E para garantir que o procurado se entregaria sem resistência, prendia a mãe do procurado. Nem de longe que Moro faça uso do pau-de-arara.
Gaspari conhece o modus operandi de Fleury, dadas as suas extensas pesquisas para a elaboração da sua magistral série de livros sobre a ditadura. O professor Percival de Souza também o descreve no seu livro “A autópsia do medo”.
Mas Gaspari opta pela comparação de Moro a Neymar, o craque do Barcelona. Por certo, não o capitão da seleção derrotada na Copa América.
Onde a audácia e o risco?
Neymar é um craque, não há quem o negue. Usá-lo como analogia é um elogio, desde que se esqueça de que o craque temperamental costuma ser expulso de campo por agredir adversários e está envolvido até a alma em um caso de sonegação de impostos.
Por fim, Gaspari esconjura a possibilidade de absolvição futura dos réus devido à falhas processuais na Lava Jato. E já os condena a 150 anos de prisão.
O professor demonstra como argumentar convincentemente que os réus da Lava Jato não podem ter direito à defesa. Já que tal defesa corresponderia a fomentar uma crise institucional. Para tanto, faz uso de seu cosmopolitismo e vai buscar uma analogia internacional. Compara a Lava Jato ao caso Maddoff e ao atentado às torres gêmeas do World Trade Center.
Maddoff é um picareta que aplicou o golpe da pirâmide em gananciosos milionários americanos. Foi a julgamento, com direito à defesa, e está preso.
Vejamos a analogia feita pelo professor Gaspari:
 “Afora os amigos que fazem advocacia auricular junto a magistrados, resta a ideia da fabricação da crise institucional. É velha e ruim. Veja-se, por exemplo,... Bernard Maddoff: ...ele sabia que seu esquema de investimentos fraudulentos estava podre. Quando dois aviões explodiram nas torres gêmeas de Nova York... ele pensou: “Ali poderia estar a saída”. Eu queria que o mundo acabasse".
Outro jornalista culpou Lula pela crise grega e caiu no ridículo, mas, dado o brilhantismo da argumentação, esse risco Gaspari não corre.
O uso do caso Maddoff relacionado ao 11 de Setembro, ainda que próximo à ficção ou à liberdade poética, é, no entanto, um lance de mestre de Gaspari. Evita que seja levado a tratar da “crise institucional” do “estado policial” do Ministro Gilmar Mendes que facilitou que Daniel Dantas se safasse da Satiagraha.
Gaspari argumenta que o diário de Marcelo Odebrecht é um risco institucional. Inteligentemente, o professor reveste Odebrecht de um poder que, no entanto, não serve sequer para garantir luz elétrica na sua cela, quanto mais para abalar a República. Já Dantas mandou prender o delegado que o investigou e levou a julgamento o juiz que o condenou. Isso do alto de dois habeas corpus obtidos em menos de 24 horas diretamente do STF.
Mas o professor sabe: isso não vem ao caso.
Por fim, em um dia de ressaca jornalística, após a cobertura da deblaquê de Eduardo Cunha, resta-me agradecer ao professor Elio Gaspari pela aula de jornalismo contida em seu pequeno texto, como pequeno são os frascos que contém os grandes perfumes e os grandes venenos.

PS1: por óbvio, não faço referência, neste post, ao professor Luis Nassif. Não faltaria material sobre o assunto, na sua obra “O Caso Veja”. Porém, citá-lo poderia parecer adulatório, evitei. Tampouco cito o mestre Janio de Freitas, pelo simples fato de não ter encontrado em sua obra o que pudesse ser associado à manipulação de informação.
PS2: para os que dispõem de alguns tostões para pagar a travessia pelo paywall da Folha, segue aqui o acesso ao texto do professor Gaspari.
PS3: para acesso a textos abandonados à caridade pública, visite a oficina de concertos gerais e poesia.

Fonte: GGN

Da arte de manipular informações




Luis Nassif

Um dos fenômenos menos estudados no século 20 foi o do enorme poder conferido aos grupos de mídia e como dele se prevaleceram negociantes pouco escrupulosos, usando os conceitos de liberdade de imprensa como biombo para suas jogadas.

A melhor descrição desse método "empresarial" na mídia apareceu no Estadão, em uma crítica de Luiz Zanin Oricchio ao livro "Número Zero"  de Umberto Eco (http://goo.gl/gV5ZqV).

O livro é uma ficção sobre um jornal montado em 1992 na Itália - no ano em que foi deflagrada a operação mãos limpas, que liquidou com o mundo político italiano, em nome da moralização de costumes, e abriu espaço para que o  parceiro Silvio Berlusconi, magnata da mídia, aparecesse "como salvador de uma Itália falida".

***

Eco monta um "um sarcástico anticompêndio jornalístico, descrevendo práticas que bem podem servir de carapuça para parte da imprensa contemporânea", diz Oricchio.

Algumas das lições:

* Como produzir acusações vagas, e sem provas, de modo que certas pessoas se sintam intimidadas, mas não consigam processar o jornal por difamação. (Ou, como) distorcer a realidade apenas relatando verdades.

* Como inserir declarações de testemunhas em meio ao texto, colocando o ponto de vista do jornal na boca do entrevistados.

* O uso de teorias da conspiração e da ameaça comunista contra o “mundo livre e cristão”.

***

Ontem, no mesmo Estadão, o experiente correspondente do jornal em Genebra escreve matéria "EUA monitoram obras da Odebrecht no exterior e apontam sinais de corrupção" (http://goo.gl/x0OjEr). A reportagem se baseia em telegramas do serviço diplomático americano reproduzidos no site Wikileaks.

Uma jovem repórter do jornal GGN fez uma leitura cuidadosa dos documentos (http://goo.gl/bbKAxI) e constatou:

O documento intitulado "Uma visita produtiva de Lula", é um relatório da visita do ex-presidente ao país, nos dias 17 e 18 de outubro de 2007. O encontro resultou em sete acordos de assistência técnica, a duplicação para US$ 2,3 bilhões da linha de crédito do Brasil para a Angola e o anúncio de um acordo de negociação para construir uma usina de etanol com a produção de cana.  O relatório diz:  "Apesar de não ser um acordo de governo-governo, a visita de [Lula] Silva ajudou a concluir um acordo entre a brasileira gigante da construção Odebrecht, a estatal petrolífera angolana Sonangal, e Damer, uma empresa angolana até então desconhecida".

Continua o relatório: "A Angola vê o Brasil como um parceiro natural, e muitos dos principais homens de negócios de Angola, incluindo membros do clã do Santos [presidente angolano], supostamente têm interesses comerciais substanciais no Brasil. As grandes construtoras brasileiras também estão se beneficiado do crescimento da construção na Angola. (...) Os brasileiros também enxergam investimento na infra-estrutura angolana, especialmente para vinculá-la para o resto da SADC, como um sábio investimento e uma entrada potencial para eles e para o resto do mercado da África do Sul".

O segundo documento em que Lula é citado é o apoio do ex-presidente à candidatura à reeleição de Hugo Chavez.  "Poderia parecer um passo diplomático errado, mas realmente foi simplesmente um bom negócio", diz a embaixada.

Fonte: GGN

PBH confirma 1° jardim filtrante

Projeto de filtros naturais de limpeza está pronto, e obras começam neste ano






LUCIENE CÂMARA

As próximas etapas da despoluição da lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte, foram discutidas nesta quarta, a portas fechadas, entre a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) e a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa). Os órgãos não informaram o teor da reunião, mas, de acordo com a prefeitura, está confirmada a implantação dos chamados “jardins filtrantes” para tratar o conjunto dos córregos Água Funda e Bom Jesus, que deságuam na lagoa. A previsão é que as obras comecem ainda neste ano.

O projeto-piloto foi concluído e entregue à Sudecap nesta semana. Os jardins filtrantes consistem em uma estação de tratamento natural da água em que plantas atuam como filtros, sem uso de aditivos químicos ou energia elétrica. Mais barata que as estações convencionais, esta parte da obra é estimada em cerca de R$ 5 milhões. Segundo a Sudecap, “o orçamento está sendo elaborado para definição final dos investimentos a serem feitos pelo município. A expectativa é que a obra se inicie ainda em 2015”. Para isso, é preciso ainda abrir licitação.

Projeto. A primeira estação natural da capital terá capacidade de reduzir em cerca de 30% o volume de sedimentos que caem na lagoa. Os córregos Bom Jesus e Água Funda são responsáveis por carregar para a Pampulha cerca de 17 mil m³ de cimento, areia etc por ano. “Os jardins filtrantes tornam a água natural e permitem que haja vida animal ali”, explicou o doutor em engenharia hidráulica e saneamento Luiz Mário Queiroz Lima, que atua há 40 anos com a técnica.

A Sudecap informou ainda, em nota, que “avalia a viabilidade de utilização dessa mesma tecnologia em outros córregos afluentes à lagoa da Pampulha”.

Saiba mais

Cronograma. Os jardins filtrantes levam cerca de quatro meses para serem instalados após o início das obras. Seu efeito na limpeza da água começa a ser percebido 48 horas após a implantação.

Estrutura. A estação natural é composta por canal de admissão, postos para retenção de sedimentos e etapa para tratamento biológico, com uso de plantas tropicais, como taboas e alpínias.

Processo. O tratamento leva cerca de três dias. Depois de limpa, a água é devolvida para a lagoa e pode ser 100% reutilizada.

Outros. Ao todo, oito córregos deságuam na lagoa da Pampulha. Os cinco mais poluentes são Ressaca e Sarandi, que se juntam, seguidos do Água Funda, Bom Jesus e Olhos d’Água.


Fonte: O TEMPO

PBH retoma licitação para limpar córregos que desaguam na lagoa da Pampulha

                                                                                 Frederico Haikal
Esgoto de casas de Contagem deságuam em um dos principais cartões-postais de BH

Com quase um ano de atraso, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) decidiu não esperar mais a conclusão das obras de captação integral de esgotos para iniciar os serviços de recuperação da qualidade da água da lagoa da Pampulha. Isso porque foi divulgada nesta quinta-feira (23) a retomada da licitação para selecionar a empresa que irá executar o serviço de limpeza dos córregos que desaguam na lagoa. A informação foi publicada no “Diário Oficial do Município” (DOM), com as notas das empresas que participam do processo licitatório.

Conforme o Executivo, a reabertura da licitação se deve aos "avanços das ações desenvolvidas pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), no âmbito do Programa de Despoluição da Bacia da Pampulha – META 2014". Outro motivo seria a notícia da retomada das obras de implantação e complementação do sistema de esgotamento sanitário da bacia da Lagoa da Pampulha em junho de 2015, com previsão de término até o final deste ano.

Para a limpeza da lagoa, de acordo com a prefeitura, será proposto à Copasa a modernização da estação de tratamento dos córregos Ressaca e Sarandi e a instalação de sistemas de tratamento de outros córregos que desaguam na Pampulha. A responsabilidade da Companhia era a de implantar cerca de 100 quilômetros de redes coletoras e interceptoras, bem como construir nove estações elevatórias de esgoto em Belo Horizonte e Contagem. A meta é recuperar 95% das fontes de esgoto na região, índice que era para ter sido alcançado no ano passado. O trabalho, no entanto, tem sido dificultado em função de pendências judiciais que envolvem desapropriações.

Fonte: HOJE EM DIA

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Aécio "Dorian Gray" Neves hoje afronta a democracia


Imagem não é tudo
Aécio vem tentando, por todos os meios, adiar a consagração de uma verdade democrática.

Por João Paulo Cunha*
De Belo Horizonte 
Aécio Neves é um personagem ambivalente. Sua indignação não convence nunca e soa como inveja; sua juventude estendida além do limite natural gerou uma máscara que, quando quer ser irônica, acaba figurando sarcástica – parece que vai envelhecer sem passar pela fase de maturidade. Sua dedicação às questões públicas destoa de sua trajetória personalista e é sempre uma derivação de seu desejo incontido de poder.
Desde que foi batido nas urnas, tomou como sentido de vida anular as eleições. Construir a oposição responsável, saldo maior e dever decorrente de sua votação expressiva, se afigura para ele como uma aceitação da derrota, o que conflita com sua autoimagem. Há uma necessidade premente de sustentação egoica que tromba com a realidade. Aécio vem tentando, por todos os meios, adiar a consagração de uma verdade democrática.
Sua presença na cena política brasileira vem somando ingredientes de golpismo explícito e irresponsabilidade difusa, por vezes até além das nossas fronteiras. Com isso, busca interromper um fluxo democrático que custou o trabalho de várias gerações. Para efetivar seu desejo de reescrever a história, vale-se de tudo, de fracos argumentos jurídicos encomendados ao moralismo típico da vertente antipopular e udenista da política brasileira, da qual é o representante extemporâneo mais expressivo.
Se a figura pública vem sendo suficientemente apresentada por suas atitudes, há um traço de caráter que aproxima Aécio de um personagem de romance do fim do século XIX. Quando, em 1891, o poeta irlandês Oscar Wilde publicou seu O retrato de Dorian Gray, sem querer, estava antecipando o destino trágico do senador mineiro.
Em linhas gerais, o livro narra a história de um homem que leva uma vida dupla. Por obra de um pacto, Dorian tem sua existência voltada para a busca do prazer sem limites. Mesmo assim, mantém a aparência do corpo e as cintilações da virtude, enquanto um retrato a óleo, pintado com sua imagem de corpo inteiro, envelhece e abriga as rugas do tempo e marcas de seus pecados de alma.
Dorian é ao mesmo tempo um esteta embriagado pela beleza e um homem capaz de atrocidades, sempre autoindulgente e feliz em se destacar das pessoas comuns. Ao final, imagem e realidade se encontram e selam seu destino. As cicatrizes do retrato colam de vez na pele de Dorian Gray, que é destruído por suas próprias ações.
Aécio Neves tem muito de Dorian Gray. O retrato que o protegeu do peso da realidade foi o fosso criado entre suas ações e a opinião pública. Fez dos meios de comunicação, cooptados por vários expedientes, o verniz que imantava sua imagem pública. Equívocos e desvios não grudavam nele. Podia errar em administração, política, ética e até em bons modos, que saía ileso.
Assim, por força de uma ação operosa e cara de criação de sua imagem pública, o retrato midiático de Dorian Neves não exibia manchas de incompetência gerencial, descumprimento de responsabilidades legais, insensibilidade social, mitomania, amizades problemáticas, comportamento social extravagante, nepotismo e nem mesmo de contravenções simples, como dirigir fora das condições exigidas pelo Código de Trânsito Brasileiro.
Não era o político que errava, era seu outro, o retrato resguardado do olhar do público. O drama maior do personagem, contudo, era a crença na verdade da mentira. Aécio se convenceu de que era o Aécio que criou para uso externo.
Mas, como no caso de Dorian Gray, a tragédia se instalou. Hoje, pela força de seu personagem, não resta ao ex-governador nada além de manter o papel de vítima e vociferar contra a derrota que julga inaceitável. Ele precisa atacar as eleições e o poder constituído, sem perceber que se aproxima da afronta à própria democracia. Está colada nele, agora para sempre, uma postura odiosa, iracunda, incapaz de diálogo.
Ele tem agora sua última chance: perseverar nas insensatas tentativas de golpe ou se despedir de vez de sua ambição de ser presidente da República. Daí o desespero, já que a cada dia suas chances diminuem. Seus correligionários José Serra e Geraldo Alkmin, como sempre “muito amigos”, acompanham o desbotar inevitável da falsa imagem enquanto, na sombra da discrição, aguardam 2018. Aécio Neves não deve chegar com musculatura política até lá. Ele está ficando cada dia mais desagradável.
Seu retrato, até então resguardado, foi descerrado em praça pública.
Talvez sobre a ele o aprendizado conquistado em tantos anos de dedicação ao prazer. É o quinhão de felicidade que ainda lhe resta. Quando a vida dupla cessa, fica o solo humano verdadeiro, ainda que pouco fértil. Um personagem de O retrato de Dorian Gray define bem a Inglaterra vitoriana da novela: “a terra natal da hipocrisia”. O tempo passou, mas parece que não estamos muito longe dessa paisagem moral.
* João Paulo Cunha é jornalista.

Fonte: BRASIL247

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Um desabafo histórico de Hildegard Angel


Jornal GGN – Hildegard Angel, jornalista, filha de Zuzu Angel e irmã de Stuart, fez um comovente depoimento sobre a mudança de posicionamento de jornalistas, em períodos de tensão política no país. Retrocedendo ao golpe de 1964, Hildegard lembrou que essa mudança não é de hoje. Como naqueles tempos, “agora, neste momento, não valoriza o cachê ser de esquerda”, afirmou.
A jornalista recordou seu início de profissão, no jornal O Globo, aos 17 anos, quando não tinha nenhum colega de esquerda para lhe ajudar e instruir. “Eu me construí sozinha quando pude aprender a pensar. Quando pude andar por mim mesma. Quando pude desvencilhar do pânico e do medo”, disse.
Leia o depoimento completo, durante o lançamento dos livros "Golpe de Estado", de Palmério Dória, e "Lamarca o capitão da guerrilha", de Emiliano Queiróz, na sede do "Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé" em São Paulo, no dia 4 de julho:


HILDEGARD ANGEL
Eu costumo sempre dizer que não fui uma militante política. Eu sou a irmã do Stuart, filha da Zuzu e nada mais do que isso. E uma jornalista, que tem histórias para contar.
Você falou em Samuel Wainer e nós estamos aqui falando do jornalismo brasileiro. E é muito ilustrativo desses momentos ditatoriais, de como eles deformam e revelam as pessoas, é que uma das mágoas de Samuel Wainer foi como ele foi rejeitado e maltratado pelos seus companheiros de profissão, à época em que ele foi perseguido politicamente no golpe militar de 64.
Um deles, me disse ele, era o seu grande amigo Ibrahim Sued. Quando ele foi se exilar numa embaixada, e o Ibrahim colocava na coluna que ele era da Bessarábia*, e insistia que ele tinha que ir para o paredão. E quando ele saiu, passou aquela nuvem negra, ele falou para Ibrahim: "como você, um grande amigo meu, tão querido, recebido na minha casa, sempre me elogiou quando eu estava no meu apogeu, fez tanta pressão para que eu fosse preso e até fosse para o paredão?". Ele falou: "Samuel, eu fui menino de Nova Iguaçu (que é um subúrbio emblemático do Rio, de gente muito pobre), e eu aprendi que balão quando tá caindo, a gente tasca".
Assim eu sinto hoje o governo da Dilma Rousseff. Essa frase do Ibrahim Sued ilustra muito bem o comportamento da imprensa hoje em dia. Eu estive com Hugo Carvana um mês antes de sua morte, no clube Marimbás. O Hugo já bem debilitado pela doença, ele tinha o hábito de ir aos sábados ao Marimbás para comer peixe fresco, e diante da vista da praia de Copacabana.
E ele me disse: "Hilde, como os nossos companheiros - os companheiros dele, de cinema, de artes, que assinam coluna no jornal O Globo - tinham coragem de tomarem as posições que estavam tomando?". Alguns companheiros tradicionalmente de esquerda. E ele me dizia: "Hilde, mas ele..." e mencionava um cineasta, que não é o Jabor, e ainda disse: "o Jabor a gente nem mais considera", querendo dizer que o Jabor já tinha virado um personagem pitoresco. "Mas o fulano, o outro da área musical, o beltrano, eles sabem, Hilde! Eles sabem o que pode decorrer disso que eles estão escrevendo! Eles sabem a consequência do que eles estão fazendo!".
Esta foi uma lamúria do querido Carvana, dias antes de sua morte. E estes que sabem estavam lá carregando a alça do caixão do Carvana. Eles sabem, mas não abrem mão do prestígio, da aura de serem de esquerda.
Assim como no golpe de 64, tantos daqueles de esquerda apoiaram o golpe de 64. Jornalistas, intelectuais, grandes pensadores, e depois disseram que não pensavam que fosse dar naquilo. E rapidamente viraram casaca, a tempo de não macularem o seu prestígio.
Então esta é a história do oportunismo da imprensa brasileira, do oportunismo dos intelectuais brasileiros. Daqueles que se situam e formam suas panelinhas. Para manterem sempre muito bem valorizados seus cachês. Agora, neste momento, não valoriza o cachê ser de esquerda. O cachê fica baixo.
Valoriza o cachê falar mal das causas sociais, falar mal dos progressos sociais, das conquistas. Isso não é bom. Isto não dá lucro. Isso não dá pé de meia. Então, vamos pensar diferente...
Mas, se o seu contrato estiver espirando e você tiver a possibilidade de, para sair numa situação que lhe deu certa altivez, você vai mudar de posição, a tempo de sair com certo heroísmo, nem que seja da esquerda.
A verdade é que a nossa classe jornalística é feita de oportunistas. A verdade é essa.
Eu fui colocada no colunismo social aos 17 anos de idade. Eu de nada sabia, era uma menina. Não tive a esquerda para me apoiar. Não tive ninguém da esquerda para vir me cochichar no ouvido, e dizer: Hilde, não é por aí. Fui colocada pela minha mãe para me proteger, preocupada com a possibilidade de que eu, apaixonada que era pelo meu irmão, seguisse a sua causa. E ela me colocou no Globo. Para trabalhar com Nina Chaves, uma grande, grande liderança jornalística. Uma grande chefe que eu tive. E eu fiz direitinho o meu trabalho.
Mas tive o pudor de durante o governo Médici, assassino do meu irmão, e durante o governo Geisel, assassino da minha mãe, não ter noticiado de governos militares. E eu não era titular de coluna nessa época, saibam bem, e fiquei estigmatizada assim mesmo. Durante esses governos, via os colunistas sociais que eram incensados pela esquerda dizerem que o Médici era um grande gourmet, era um ótimo pé quente para o futebol, e que o Geisel era maravilhoso e que a filha dele era uma mulher culta, e blábláblá.
Eu, que era completamente ignorante, despolitizada, uma besta quadrada politicamente, nunca tive ninguém da esquerda para me dizer "é por aí". Eu me construí sozinha quando pude aprender a pensar. Quando pude andar por mim mesma. Quando pude desvencilhar do pânico e do medo.
E a direita tinha horror a mim. Demorei 20 anos para poder assinar coluna, 20 anos! Tinha que assinar pseudônimo Perla Sigaud, porque a irmã de Stuart Angel não podia ter coluna de poder assinada no Globo. Eu só assinava coluna de televisão. E eu não sabia que era por isso. Era tão panaca que eu não sabia que era por isso.
É esse meu depoimento, muito obrigada.
***
Emiliano, você falou que nós não estamos num aparelho, como antigamente. Mas, num momento em que o Judiciário atropela a Justiça, o Legislativo atropela o regimento, eu acredito que nós estamos, sim, numa catacumba, acho sim que essa é uma reunião clandestina.
Eu acho que nós estamos sendo ingênuos, porque nós estamos vivendo de certa forma em um Estado de exceção. Nós estamos fazendo jogo do contente, nós não estamos num Estado regular. E nós temos que ter clara consciência disso. A sessão anteontem (02 de julho) da Câmara dos Deputados foi assustadora. Quando o presidente da Câmara [Eduardo Cunha] não dá a palavra a um parlamentar, líder de um partido, porque ele discorda do que ele vai dizer, isso é uma ato ditatorial. Quando ele corta a fala daquela pessoa, isto é um Estado de Exceção. Eu acho que nós temos que nos preocupar.
Um governo em que você se manifestar com uma elite sobre este governo de uma maneira simpática, você é rejeitado, com uma pessoa da classe média, você é rejeitada, e com uma pessoa da classe baixa, você é rejeitada, isso é um Estado de Exceção. Alguma coisa estranha está acontecendo.
Atualmente no Brasil, pelo menos no Rio de Janeiro é assim, você é como se tivesse lepra, e precisasse usar guizos, se você é simpática ao governo do PT. Isso é inédito! Nem nos piores momentos do governo do Collor tinha isso. Até no Collor tinham pessoas de verde e amarelo na rua. Alguma coisa muita estranha está acontecendo no Brasil. E não se conseguem mobilizar pessoas para irem às ruas, não. Isso é utopia, isso não existe. E veja só a faixa etária de quem está aqui. Nós temos que nos preocupar com isso, sim. Não há mais qualquer admiração por quem morreu contra a ditadura. Os jovens questionam, perguntam: "morreu? Então é porque era bandido, é porque alguma coisa fez, é porque se desviou do caminho do bem".
Há alguma coisa muito séria acontecendo no Brasil. Nós não temos que esperar o golpe. O golpe já houve. O golpe já teve. A gente tem que realmente estar muito preocupados com as instituições, com o nosso país, com os nossos filhos, com as nossas vidas. Nós temos que nos proteger, estamos muito fragilizados. Eu tenho muito medo, estou muito aterrorizada, estou muito preocupada, mesmo.

Fonte: JORNAL GGN