Por Roberto Carvalho
Há alguns anos, tenho a honra de ser morador do nosso Santa Tereza e há muitos anos, espiritual e culturalmente, já faço parte do dia-a-dia da comunidade, que é, como nenhum outro lugar, a cara e o coração de BH.
Em todas as grandes cidades do mundo, o conflito entre o falso progresso e a preservação dos valores humanos e urbanísticos sempre se fez presente. Na nossa BH, infelizmente, não poderia ser diferente. A cidade cresceu, viu seu centro histórico perder identidade, ser esvaziado, seus bairros mais marcantes serem engolidos pela especulação imobiliária, e pouco se preservou. Santa Tereza do Morro dos Piolhos resistiu, lutou e manteve viva sua cultura, sua gente, suas casas e seus valores.
Quando se fala em BH, o mundo todo reverencia a música, o teatro, o Clube da Esquina, os escritores, os artistas, as serestas, a gastronomia, os botecos inigualáveis. Dessa forma, diretamente reverencia o tradicionalíssimo bairro de Santa Tereza, lugar do encontro de tudo isso, da cultura e da convivência.
No momento em que a especulação imobiliária tentou subir os arranha-céus, o bairro todo se levantou e disse um sonoro “não”. Exemplo para BH, o local conquistou na luta, na mobilização, na conscientização, a lei de Área de Diretrizes Especiais (ADE). Isto é o que poderíamos chamar de uma lei imexível. Não podemos admitir nenhuma alteração ou sequer discussão. Conhecemos esta história: faz-se uma concessão para depois mudarem o todo. E, atualmente, existe esse perigo real no projeto proposto para a utilização do Mercado Distrital do bairro.
Quando fui vice-prefeito, no mandato anterior, defendi a revitalização do Mercado Distrital de Santa Tereza, que, propositalmente, foi abandonado e sucateado. Defendi e defendo que seja transformado numa Escola de Gastronomia: o melhor do Mercado Central, dos botecos do bairro, além de espaço cultural. Uma síntese, portanto, de Santa Tereza. Coloquei publicamente esta proposta e posição.
Infelizmente, a parte da administração que detém a palavra final preferiu deixar o Mercado completamente abandonado. O que a população democraticamente decidiu não foi respeitado pela administração municipal. Uma escola terceirizada para a indústria automobilística não corresponde e não coaduna com a vocação de Santa Tereza, que é, fundamentalmente, cultural e gastronômica. Estaríamos, aliás, perdendo mais uma espaço público privilegiado, como perdemos absurdamente o Mercado Distrital da Barroca, em plena Av. do Contorno, que se tornará um hospital particular. Além disso, essa escola, que pode perfeitamente ocupar outros locais já terceirizados na cidade, seria frequentada por quatro mil alunos, o que interferiria sobremaneira em todo o fluxo do bairro, que, certamente, não suporta tal movimento diário. Ou seja, abrir-se-ia a famigerada brecha para a construção de grandes prédios, imensas avenidas e a consequente total descaracterização do local.
Mais uma vez, é hora de unirmos todos os segmentos, todos os movimentos, todos os que honrosamente fizeram e fazem a história do nosso bairro, que é de toda a cidade. Uma administração municipal existe para respeitar e fazer o que a comunidade decide e quer. A gastronomia e cultura são como o pulsar e o cantar de Santa Tereza.
Como morador e cidadão belo-horizontino, coloco-me ao lado de todos os que não aceitam que se passe por cima da história e dos moradores.
Não aceitemos que se mude, de forma alguma, a ADE, pois ela é uma conquista irreversível.
Santa Tereza é história viva, patrimônio e referência para toda BH.