Patentes para quê?
Dr. Rosinha, especial para o Viomundo
Recebi, na semana passada, na Comissão de Seguridade Social e Família
da Câmara, a visita de uma delegação de deputados e deputadas da
Alemanha. Geralmente, esse tipo de encontro é morno. Fazem-se as
saudações de praxe, fala-se de amenidades conjunturais e renovam-se os
convites para futuras visitas.
Ao contrário do que estabelece o
protocolo, no entanto, nesse encontro houve um debate rápido, mas
caloroso sobre patentes.
Como de praxe, fiz a saudação, dei as boas-vindas e introduzi um
tema. Contei que há cerca de dois anos, quando estive na Alemanha a
convite do governo alemão, me surpreendeu o fato de que na maioria das
reuniões com autoridades o tema das patentes estivesse em pauta,
principalmente a ampliação do acordo TRIPs. Europeus e norte-americanos
desejavam, e ainda desejam, o que chamam de acordo TRIPs Plus.
O acordo TRIPs (do inglês Agreement on Trade-Related Aspects of
Intellectual Property Rights, ou Acordo Relativo aos Aspectos do Direito
da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio) é um tratado
internacional assinado em 1994 que estabelece os direitos de patentes.
Ele é parte de um conjunto de tratados que encerrou a Rodada Uruguai e
criou a Organização Mundial do Comércio (OMC).
O acordo original garante o direito de patente por 20 anos. Com o
TRIPs Plus, a indústria farmacêutica europeia e norte-americana quer ir
além, estendendo esse prazo para 25 anos. Deseja também obter outras
vantagens, tais como a patente de segundo uso (quando se descobre que
determinado medicamento é eficaz no tratamento de mais de uma doença) e a
patente de polimorfos (que se refere ao controle das diferentes formas
de uma mesma substância química utilizada na fabricação de
medicamentos).
A conversa transcorria amena até o momento em que me declarei
contrário às patentes. Reagiram todos, alemães e brasileiros. Um só
parlamentar alemão colocou-se na mesma posição que eu.
Mas esse texto não tem o objetivo de defender minha posição contrária
às patentes de medicamentos especificamente, mas sim de chamar atenção
para outro aspecto das patentes, também grave: a Monsanto e outras
empresas de bioteconologia querem patentear nossa comida; vegetais e
frutas que usamos como alimentos no dia-a-dia, como pepino, brócolis,
melão, etc. Caso consigam, vão passar a cobrar royalties dos produtores
pelo uso das sementes dessas culturas.
A Monsanto descobriu que há brechas nas leis europeias e,
aproveitando-se disso, pede o patenteamento. Uma vez que a patente
exista num país, as empresas passam, através de acordos comercias, a
exigir que outros países as reconheçam e paguem por elas.
Há um discurso para enganar: as empresas de medicamentos e de
biotecnologia afirmam que as patentes impulsionam as pesquisas e a
inovação tecnológica. Para contestar esta premissa, lembro que em 1995 o
Massachusetts Institute of Technology descobriu que dos 14 medicamentos
que mais deram retorno do ponto de vista da indústria naquele último
quarto do século passado, 11 tinham sua origem em trabalhos financiados
pelo Estado.
Além desse dado, há outros estudos, entre os quais cito os de Michele
Boldrin e David Levine, economistas do Fed (Banco Central dos EUA), que
questionam o valor social das patentes. Eles afirmam que “não existe
evidência empírica de que as patentes servem para aumentar a inovação ou
a produtividade”.
Já Petra Moser, da Universidade Stanford, analisa a relação entre
inovação e leis de patente e conclui que “no geral, o peso da evidência
histórica (…) indica que políticas de patentes, que garantem fortes
direitos de propriedade intelectual às primeiras gerações de inventores,
podem desencorajar a inovação”.
De qualquer forma, há algo já identificado e inquestionável: as patentes criam monopólios e oligopólios.
Hoje já temos uma situação preocupante: a Monsanto possui
patenteadas na União Europeia 36% das variedades de tomates, 32% dos
pimentões e 49% das variedades de couve-flor. Há que se dar um basta
nisso.
Por séculos e séculos os agricultores escolheram, na maioria das
vezes, dentro de sua própria colheita as sementes a serem plantadas para
a próxima safra. Lembro-me perfeitamente disto: no interior do Paraná,
meu pai, pequeno agricultor, tinha essa prática.
Não podemos negar e tampouco ignorar a tecnologia, mas também não
podemos ficar reféns dos monopólios e oligopólios, principalmente de
alimentos. A sociedade tem que reagir, para construir a nossa soberania
alimentar.
Quanto ao debate com a delegação alemã, por conta do tempo escasso de
ambas as partes, ficamos de retomá-lo em outra oportunidade.
Dr. Rosinha, médico pediatra, deputado federal (PT-PR), presidente da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara.
Nenhum comentário:
Postar um comentário