segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Mayana Zatz: É ético selecionar embriões de um determinado sexo?

por Conceição Lemes
Conheci a geneticista, professora e cientista Mayana Zatz em 1986. Eu era editora-assistente da revista Saúde e Judith Patarra,chefe de redação e grande mestra, incumbiu-me de fazer uma reportagem sobre o que um casal pode fazer para ter um bebê saudável; entre as fontes, sugeriu-me Mayana.
Entrevistei-a no prédio da Biologia da USP, à rua do Matão, Cidade Universitária. Logo percebi nela dois diferenciais. A capacidade de traduzir em linguagem acessível, com imagens do cotidiano, conceitos dificílimos de genética. Coisa de craque, que poucas vezes vi em quase 30 anos como repórter da área de saúde. Também me chamou a atenção a enorme preocupação com as questões éticas. Guardei o seu nome na minha lista de fontes excelentes, nunca mais saiu daí.
De lá para cá, nos reencontramos muitas vezes. Duas ocasiões são particularmente marcantes até hoje.
A primeira, por conta de uma investigação que fiz durante quase um ano sobre um tratamento fajuto para distrofia muscular de Duchenne (doença genética, incurável e que afeta apenas meninos, degenerando todos os músculos). A terapia chamava-se transplantes de mioblastos, havia sido desenvolvida por um médico chinês radicado nos EUA, tinha um braço brasileiro e custava US$150 mil por paciente.
Com a ajuda científica de Mayana, desmascaramos esse esquema, que lesava os cofres públicos (várias famílias ingressaram com ação na Justiça para o SUS pagar), as famílias (vendiam tudo o que tinham para bancar o tratamento) e, principalmente, ludibriava a esperança de pais, mães  e crianças.  Sob o título “Médicos tornam doença caso de polícia”, a reportagem foi publicada em julho de 2002, no extinto site NoMínimo.
A segunda ocasião inesquecível foi em 2007. Por placar estrondoso, o Congresso Nacional havia aprovado a lei que autorizava a realização no país de pesquisa com células-tronco embrionárias. O presidente Luís Inácio Lula da Silva rapidamente a sancionou. Só que ela parou no Supremo Tribunal Federal (STF) porque o então subprocurador-geral da República, Cláudio Fonteles, alegou que era inconstitucional. Questionado sobre se sua ação não teria motivação religiosa, o franciscano Fonteles acusou Mayana Zatz de viés judaico.
Em entrevista à Folha de S. Paulo Fonteles disse: “A doutora Mayana Zatz, que é o principal elemento de quem pensa diferentemente da gente, tem também uma ótica religiosa, na medida em que ela é judia e não nega o fato. Na religião judaica, a vida começa com o nascimento do ser vivo. Então, ao defender a posição dela, ela defende a posição religiosa dela, que é judia e que a gente tem de respeitar”.
Totalmente improcedente essa declaração. Para agravar, um silêncio profundo se seguiu, inclusive nos meios acadêmicos. Nenhum desagravo. Indignei-me mais ainda. Na condição de cidadã, resolvi redigir um  texto, repudiando a desesperada manobra para desviar o foco do debate. E de apoio à Mayana, já que a sua batalha pela vida era também de todos nós.
O texto acabou virando uma petição ao Supremo Tribunal Federal (STF): Células tronco-embrionárias. Direito à esperança de cura e à liberdade de pesquisa, sim. Ao obscurantismo, não.
Embora até então eu nunca tivesse tido qualquer  contato com o jornalista Luiz Carlos Azenha, o Viomundo foi o primeiro veículo a publicar a petição, com este destaque no título:  Eu apóio. Mayana e eu vibramos. Foi muito importante.  Ao final, conseguimos 48 mil assinaturas. A petição foi usada pela defesa no julgamento do STF.
Portanto, é com alegria imensa que saúdo o lançamento do novo livro de Mayana: “GenÉtica: Escolhas que nossos avós não faziam”. Fala muito mais sobre ética do que de genes.
“Há algumas dezenas de anos, quando me apaixonei pela genética, pouca gente sabia o significado dessa palavra. Naquela época poucos se davam conta que esse ramo da biologia estava destinado a se tornar tão vital com tantas aplicações na vida humana”, observa Mayana. “Hoje, mesmo quem não está familiarizado com as técnicas por trás desses avanços, sabe o quanto eles são importantes até por meio de filmes, livros e novelas de TV. Mas não é o bastante. A genética não envolve apenas ciência e técnica, mas dramas humanos, filosóficos, éticos e morais.”
“Com o desenvolvimento de novas  tecnologias e a possibilidade de analisar o nosso genoma a um custo cada vez mais acessível, novas questões inesperadas tomam corpo a cada dia”, continua Mayana. “Os dilemas e questionamentos éticos, que no início eram restritos a famílias com afetados por doenças genéticas, estão tomando proporções maiores.”
Por exemplo, é ético selecionar embriões de um determinado sexo? Ou para tentar salvar um irmão afetado por uma doença letal, os chamados ‘irmãos salvadores’? E se no futuro essa tecnologia for usada para escolher embriões com determinadas características, tais como cor de olhos, estatura, habilidade para esportes ou outros motivos fúteis? Não se trata de uma nova eugenia?
“Testes de DNA já estão sendo oferecidos em farmácias”, revela Mayana. “Alguns variantes de genes são totalmente fúteis, como o da cera úmida ou seca no ouvido ou a capacidade ou o de não de sentir alguns odores. Mas e os testes que prometem determinar se temos risco aumentado para algumas doenças como câncer, mal de Alzheimer ou outros problemas genéticos? Saber desses riscos vai nos ajudar ou simplesmente nos angustiar? Não estamos contribuindo para aumentar o número de hipocondríacos? E o mais importante: quem irá interpretar os resultados?”
Baseado em  histórias reais, o livro “GenÉtica” mostra alguns dos muitos conflitos a que Mayana foi exposta ao longo dos últimos anos.
“Não existe regra de conduta. Cada caso é um caso”, avisa Mayana. “Não tenho respostas para a maioria deles,  mas convido o leitor a refletir junto e a se posicionar ou a concluir quão difícil isso pode ser em algumas situações. Afinal, cabe à sociedade discutir, refletir e decidir: O que é ético? Quais são os limites? Estamos  preparados para lidar com a avalanche desses novos conhecimentos?”
O livro de Mayana é dedicado à geração que nasceu ou vai nascer nesta era revolucionária da genética. É também um livro para profissionais – geneticistas, médicos, pesquisadores, psicanalistas, antropólogos, advogados, juízes – que certamente se confrontarão com decisões difíceis na intersecção entre os avanços da genética e da tecnologia reprodutiva e os dramas pessoais das famílias daqueles afetados por doenças com essa origem.
É igualmente um livro dedicado às inúmeras pessoas que, felizmente, não tiveram contato direto com esses dramas, mas pertencem a uma sociedade que tem a oportunidade de discutir, refletir e de se posicionar acerca das implicações dos avanços científicos.
Pelo que presenciei, li e ouvi de Mayana ao longo dos últimos 25 anos, “GenÉtica” é um livro que vale a  pena ler. As questões éticas abordadas me interessam demais.
O lançamento será nesta terça-feira, das 19h às 21h30, na Livraria Cultura do Shopping Villa- Lobos, à avenida das Nações Unidas, 4777.

Fonte: http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/mayana-zatz-e-etico-selecionar-embrioes-de-um-determinado-sexo.html

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