quarta-feira, 15 de abril de 2015

Terceirização e política, por João Feres Junior



Terceirização e política, por João Feres Junior*

No último dia 8, a Câmara dos Deputados aprovou o texto base do Projeto de Lei 4.330, que regulamenta a contratação de trabalho terceirizado para empresas privadas e o serviço público. Os destaques estão sendo votados no dia de hoje, momento em que escrevo esse artigo. O projeto é uma imensa derrota para os trabalhadores brasileiros, pois ao permitir a contratação de mão de obra terceirizada para o exercício de atividades fim, certamente contará com a adesão rápida de um sem número de empresas, inclusive de órgãos públicos. Essa modalidade de serviço é atrativa ao capitalista ou administrador, porque é mais barata. Mas esse é um barato que sai caro para os trabalhadores e para o país. Os sindicatos serão praticamente impossibilitados de usar a greve e sua ameaça como barganha, pois trabalhadores em greve podem ser facilmente trocados, sem maiores consequências para a empresa contratante. Acordos coletivos vão também desaparecer. A facilidade de demissão, a falta de planos de carreira nas empresas provedoras de trabalho de aluguel e de garantia de direitos trabalhistas são outros elementos que, somados ao enfraquecimento dos sindicatos, vai produzir acentuada queda dos níveis salariais.

Entusiastas da medida, entre eles o "Jornal Folha de S. Paulo", propalam a mitologia de que a liberalização e desregulação vão expandir o emprego. O provável é que ocorra o contrário. Trabalhadores fracamente regulados trabalham mais horas, e assim poupam o empregador de ter que contratar mais trabalhadores. Se não bastasse isso, o recolhimento de encargos trabalhistas e previdenciários por parte do Estado também deve cair drasticamente, seja pela queda dos níveis salariais e do emprego, seja porque as empresas provedoras terão mais meios de se evadir desses encargos. A catástrofe que se anuncia terá efeitos por gerações. Uma massa de trabalhadores envelhecendo, carregando todas as mazelas da super exploração, e chegando ao final da linha sem seguridade social adequada. A conta vai parar nas mãos do Estado, particularmente da previdência e da saúde públicas. Em suma, o PL deprime o ingresso e cria um problema crônico para a gestão pública.

Logo quando havíamos conseguido aliviar um pouco as desigualdades brutais que marcam nossa sociedade, essa medida ameaça desfazer todos os ganhos. Mas vejamos como os partidos votaram na Câmara, pois o padrão revela elementos importantes do quadro político atual. Na tabela abaixo, coloquei as votações do Projeto de Lei 4.330 na Câmara, por partido. Atribui uma nota a cada partido que vai de 0 a 10 e é calculada pela fórmula Nota = (1-(NS/NTP))x10, onde NS é o número de sim's e NTP o número total de deputados do partido presentes na sessão. Ou seja, quanto menos sim’s tem o partido, maior sua nota, e vice-versa. Vejamos:


O primeiro dado que salta à vista é a extrema polarização da votação. Um grupo pequeno de partidos de esquerda, liderados pelo PT, votou unanimemente pela rejeição do PL, obtendo nota 10. A partir do quarto colocado da lista, o PMDB, as notas são muito baixas, apontando a aprovação da medida. Isto é, há um "degrau", como mostra o gráfico abaixo, feito com os mesmos dados da tabela:


Alguns dados não surpreendem. O PSDB, que fazia profissão de fé da liberalização do mercado de trabalho desde o primeiro governo de Fernando Henrique, votou quase que unanimemente pela aprovação do PL. O DEM, talvez o partido mais à direita no espectro ideológico nacional, ficou bem próximo dos tucanos. As coisas começam a ficar mais estranhas quando notamos que partidos da base aliada votaram em peso a favor da terceirização. É verdade que Solidariedade, PP, PSD, PR e PRB são partidos fisiológicos que congregam muitos deputados de direita e de centro-direita. Mas a liberdade que tiveram para votar a favor só pode ser explicada pela fraqueza da articulação do governo ou mesmo falta de vontade e convicção para intervir na votação. O PMDB é assunto ainda mais preocupante, por ser de centro e por ser o maior partido da base aliada. Seus deputados parecem ter tido liberdade para votar: dois terços aprovaram, um terço rejeitou.
As surpresas vêm de partidos com perfil de centro-esquerda, como o PROS, PSB e o PDT, e também do PTB. Ora, PDT e PTB reclamam para si a herança do varguismo e agora se juntam para desferir um golpe mortal contra a CLT! É surreal! Nem tanto para o PTB, um partido que sempre se posicionou mais à direita no espectro político, mas o PDT fez do desenvolvimentismo populista sua profissão de fé, reverenciando o nome do profeta Leonel Brizola até hoje -- basta ver a última propaganda gratuita do partido. Não é coincidência, contudo, que um de seus deputados mais ativos é hoje o Major Olímpio, liderança da chamada Bancada da Bala. O PSB, que carrega o nome de socialista, de Eduardo Campos e Marina Silva, há algum tempo tem dificuldade de mostrar o que é especificamente de esquerda em sua agenda. Não foi dessa vez que conseguiu se diferenciar da direita e da centro-direita. Há a surpresa de araque do PV, somente para aqueles que acharam a candidatura à presidência de Eduardo Jorge nas últimas eleições uma proposta alternativa de política. Em questões relativas ao conflito capital-trabalho, o PV parece ter lado claro e não é nada alternativo. Tem a nota tragicômica do PPS, que tenta há tempos fazer da palavra comunismo um motivo de chacota. E, por fim, o Solidariedade, partido liderado por um sindicalista, Paulinho da Força, que conseguiu a façanha de votar em bloco contra os interesses dos trabalhadores.
As lições desse episódio são muitas. Ele mostrou quem é quem nos partidos da Câmara. Nada como um item importante no conflito capital-trabalho para dar clareza ao panorama político. Ele provou o quão equivocados estão aqueles que vivem por aí dizendo que não há mais esquerda ou direita no nosso país. Claro que há, essas são posições relacionais que se replicam em cada assunto da pauta da política. Por fim, ele mostrou que o governo de Dilma Rousseff não se empenhou na disputa parlamentar contra a aprovação do PL. O governo sequer tentou organizar a base aliada na votação, limitando-se a recomendar a rejeição no painel da Câmara.
Dilma limitou-se a uma declaração pífia em evento de entrega de moradias do Minha Casa Minha Vida no Rio de Janeiro. Disse que os direitos dos trabalhadores não podem ser comprometidos e que o governo está preocupado que "as empresas contratadas assegurem o pagamento de salários, de contribuições previdenciárias e, ao mesmo tempo, também paguem seus impostos". Ou seja, para além da frase vaga de defesa dos direitos trabalhistas, mostrou resignação perante o resultado da votação e uma preocupação meramente gerencial com um assunto de tamanha gravidade. Enquanto o PT tem demonstrado extrema disciplina e coerência nas votações, resgatando um pouco do espírito combativo que havia se diluído com o passar dos anos na situação, a ex-PDTista Dilma está cada vez mais parecida com o atual PDT. De todas as consequências que esse evento pode produzir, a maior inteligibilidade da política talvez seja a única positiva, disse o otimista.
*João Feres Júnior é cientista político do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), coordenador do Laboratório de Estudos da Mídia e Esfera Pública.
Publicado originalmente no SRZD

Fonte: GGN

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