terça-feira, 30 de julho de 2013

A Folha e o agendamento conservador do país


O editorial da Folha deste domingo, ‘Mitos das Redes Sociais’, exercita o malabarismo dissimulatório típico de um poder declinante, que pretende estender sua vida útil cerceando o curso da história.

No caso, trata-se de desqualificar ‘a forma de jornalismo’ praticado nas redes sociais - “mais sujeita a falhas do que as já frequentes no jornalismo profissional”, diz o texto, que justifica: “Informações se divulgam sem comprovação, quase sempre embaladas nas estridentes convicções, autênticas mas parciais, de seu emitente”.

É forçoso lembrar. 

Um: o que se transcreve é um trecho editorial do veículo que se notabilizou, em 2009, por dar veracidade a uma ordinária falsificação de documento da polícia política da ditadura, de modo a prejudicar a então pré-candidata, Dilma Rousseff. 

Dois: a Folha até hoje, repita-se, até hoje, não assumiu o erro grosseiro de manipulação.

Três: não foi um ponto fora da curva. 

Tampouco representou um divisor, a partir do qual o jornal imbuiu-se de maior isenção e rigor na veiculação dos fatos. 

Para não abusar da redundância, confira-se, nesta página de Carta Maior, a ‘falha’ da casa Frias na seleção e manipulação de indicadores de uma pesquisa eleitoral recente, de modo a desidratar Dilma e poupar Alckmin. 

Estamos diante de uma norma.

De absoluta falta de compostura no presente, da qual já se teve robusta evidência no passado, e de cuja incidência dificilmente se escapará na campanha eleitoral de 2014. 

A pluralidade da informação não pode ser reduzida a uma maratona para escalonar os campeões de erros e acertos na prática do jornalismo.

Por certo, a rede social comete os seus. Por certo, a exemplo da narrativa pré-fabricada Barão de Limeira, há manipulação também no mundo da web.

Por certo, a questão deve ser colocada em outros termos.

Se o interesse for salvaguardar a formação do discernimento crítico da sociedade, não serve a disjuntiva do editorial, centrado na suposta supremacia de um modelo de mídia que pressupõe o monopólio da informação.

É a preservação desse estatuto, cujo requisito é o sufocamento do jornalismo praticado na rede, que ordena as advertências e o lobby dos barões da mídia em relação ao Marco Civil da Internet, a ser votado em agosto na Câmara dos Deputados. 

O que está em disputa, na verdade, é uma questão política de relevância decisiva dos dias que correm e naqueles que virão, já tratada neste espaço e em sites e blogs progressistas.

O jornal, em nome dos seus pares, quer manter intacto o poder de agendamento sobre o país. 

Quer preservar, através do monopólio da emissão, o poder de determinar aquilo sobre o que o Brasil deve e não deve discutir; pode e não pode cogitar. 

Hoje, meia dúzia de corporações determinam os limites desse gradiente.

O resto obedece – incluindo-se nesse genuflexório, não raro, o próprio governo. 

Um dos pratos principais desse agendamento – do qual a Folha se desincumbe com afinco — consiste em dissolver o PT e seus governos num caldeirão fervente de desastre e suspeição. 

A meta, desde 2003, sublinhe-se, é transformar anseios progressistas abarcados pelo partido num frango desossado, incapaz de ficar de pé, sobretudo num palanque. 

O agendamento conservador falhou em 2006 e em 2010. 

Persiste no mesmo diapasão a caminho de 2014, com algumas inovações.

Uma delas é o neogolpismo, aquele que arremete por dentro das regras institucionais, aliás invocando o papel de guardião daquilo que golpeia.

O novo ferramental não se dispensa de artefatos do velho repertório. 

Avulta, como antes, a falta de respeito e o preconceito de classe, recorrente nos confrontos entre a ‘informação ‘menos falha’, alardeada pela Folha, e as demandas progressistas históricas da sociedade brasileira. 

A outra novidade do arsenal é essa que o editorial insinua.

Barrar a emissão pluralista e insurgente de uma rede social que argui e disputa a agenda do país com o monopólio conservador.

O saldo positivo das gestões petistas apenas radicalizou essa necessidade de calar canais alternativos de formação da agenda política brasileira. 

Em tempo: a palavra saldo aqui não condensa uma evolução linear, nem isenta o percurso das críticas e contradições inerentes a governos policlassistas de centro esquerda.

O fato é que o atrito crescente entre esse conjunto radicalizou a narrativa conservadora.

Presa em uma dupla travessia de esgarçamento tecnológico e político, ela dobrou a aposta no tudo ou nada.

Analistas de maior consistência e equidistância são expelidos de seus veículos; ou abafados pelo alarido grosseiro do segundo escalão. 

A fotografia cede lugar ao photoshop. Literalmente e eticamente (veja-se a edição das fotos selecionadas pela Folha para ilustrar a entrevista da Presidenta Dilma ao jornal, na edição deste domingo).

O nível degrada.

Tome-se o exemplo a página 2 da mesma Folha.

Ali já escreveram progressistas como Antonio Calado e conservadores como Otto Lara Resende, entre outros. Ambas as cepas com expressões de alto nível.

Com honrosas exceções, tornou-se um rodapé intelectual. 

Dele escorre o suor inglório dos que brigam com as palavras para compensar a irrelevância do que dizem em decibéis adicionais. 

Isso para não falar de casos clínicos. 

'Veja', que um dia foi dirigida por Mino Carta, é cada vez mais um encadernamento de rascunhos tolos do Tea Party. 

A forma como esses veículos rejeitam a regulação da mídia --e tentam induzir o Marco Civil da Internet a cercear a rede social--, dá testemunho de uma dependência autoritária em relação ao futuro.

Carta Maior, ao contrário do editorial da Folha, entende que ter lado é uma virtude do jornalismo.

A indispensável lealdade com o leitor consiste em oferecer-lhe nossas coordenadas históricas: a construção de uma sociedade democrática e socialista.

Elas formam o mirante das nossas ideias. 

Sobre ele repousa nosso olhar sobre o país e o mundo.

A pretensão da Folha e assemelhados de apresentar-se à sociedade como um canal de informação sem a “mácula” do engajamento tem um nome.

Fraude.

A máscara rota mais revela do que esconde.

Não há observador neutro. 

Assim como nas relações sociais não há conhecimento dissociado de envolvimento na ação. 

“Não foi a Internacional que levou os operários à greve; foram as greves que levaram os operários à Internacional”, respondeu Marx à imprensa burguesa, que acusava os ‘agitadores’ de manipular e incutir “ideias” totalitárias na cabeça dos trabalhadores. 

Isso foi em 1864.

Mas ainda responde com notável pertinência aos esperneios dos editoriais conservadores no Brasil do século 21.
Postado por Saul Leblon às 05:28

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