Política afirmativa no serviço público também é adotada por países em desenvolvimento como reparação
Desde
o último domingo, quando veio a público a notícia de que a presidenta
Dilma Rousseff está prestes a anunciar mais uma série de ações
afirmativas, desta vez para facilitar o ingresso de negros e outras
etnias no serviço público, o sistema de cotas voltou a ser torpedeado em
artigos e editoriais dos grandes jornais. Até aí, nada de mais. Raras
vezes as grandes empresas de mídia abraçaram causas humanitárias, exceto
aquelas que podem ser revertidas em ganho de imagem.
Nos
seus argumentos (não por acaso, os mesmos que a oposição utilizou, sem
sucesso, no Congresso Nacional), as empresas de mídia defendem que o
mérito deve prevalecer ao reparo do jugo escravocrata, acenando para a
inclusão do que chamam de “racialismo” na sociedade brasileira. Para
todos os grupos empresariais, indistintamente, dizem, a instituição das
cotas vai envenenar nossa paz social, em cujas mazelas não consta o ódio
racial.
No
Brasil, as estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) mais do que justificam as cotas. Os pretos e pardos
(denominação utilizada pelo IBGE) representam 50% do total da população
brasileira. Essa proporção cai drasticamente quando levados para a
população que frequenta o ensino superior.
Segundo o Censo do Ensino Superior de 2011, 25,6% dos jovens brancos com idade de 18 a 24 anos, estavam estudando ou haviam concluído curso em instituição de ensino superior.
Entre os negros, esse percentual cai para 8,8% dos jovens pretos e 11% dos jovens pardos.
Ou
seja, proporcionalmente, cerca de um terço a menos de jovens pretos e
menos da metade dos jovens pardos, em comparação com jovens brancos,
tinham chegado à universidade.
Políticas afirmativas no mundo
A
aposta na ignorância é perigosa, porque sonega informações fundamentais
para se entender a razão das políticas afirmativas. O Brasil, quando
muito, é comparado com os EUA, país onde a política de cotas começou a
ser posta em prática nos anos 60 do século passado. As dificuldades que o
governo norte-americano enfrentou à época são muito parecidas com as
que o Brasil enfrenta cinquenta anos depois. O despreparo demonstrado
por estudantes que só chegaram ao ensino superior porque foram
beneficiados pelas cotas é um deles. Hoje, as ações afirmativas
norte-americanas têm em Barack Obama
seu resultado mais vistoso. O jovem negro - que só conseguiu estudar na
faculdade porque foi beneficiado pelas cotas - tornou-se presidente da
República. Essa informação não consta nos textos publicados pela mídia
dominante. Pelo contrário, é omitida.
Ao
mesmo tempo, as companhias globais com matriz em países desenvolvidos,
como o Reino Unido e os EUA, por exemplo, criam diretorias ou gerências
exclusivamente voltadas à promoção da diversidade étnica e à
implementação de ações afirmativas em seu quadro de pessoal.
Enquanto
isso, no Brasil, a mídia repete ao cansaço que a garantia de uma vaga
universitária ou um posto de trabalho no serviço público é um privilégio
que beneficia o negro pobre despreparado, em detrimento do branco que
frequentou escola particular e teve condições de estudar.
Enfatiza-se,
também, o caráter racial das cotas que o governo pretende implementar, o
que não é verdade. Como mostra o gráfico abaixo, de cada 100 vagas a
serem ocupadas por cotistas, apenas 26 são reservadas aos pretos, pardos
e indígenas. Acompanhando o gráfico, tem-se que, de cada 100 vagas, 50
são destinadas aos cotistas que estudaram em escolas públicas –
principal filtro de seleção. Destas cinquenta, metade destina-se aos
jovens de famílias com renda inferior a 1,5 salário mínimo e a outra
metade para famílias com renda acima de 1,5 salário mínimo. Somente
neste estágio da seleção, entra o filtro com componente racial,
destinando, no total, 26 vagas. Um em cada quase quatro jovens,
portanto.

Outra
informação que não se encontra nos jornais, revistas ou emissoras de
tevê brasileiras é que países de economia similar à do Brasil também
adotaram as ações afirmativas, seja para reparar injustiças seculares ou
manter a integridade de seu sistema político.
Na
Índia, por exemplo, desde os anos 80 do século passado, 15% das vagas
no serviço público vêm sendo reservadas aos integrantes das castas de
“intocáveis”, os “dalit”. Outros 7,5% reservam-se para minorias tribais;
e 27% para cerca de 3 mil subcastas sociais que eram ignoradas pelo
Estado. Lá, como no Brasil, os beneficiados podem renunciar aos seus
direitos – e abrir mão do benefício das cotas.
Além
das vagas no serviço público, todos os tipos sociais alcançados pela
lei das cotas gozam de isenção de pagamento para participar do concurso
público e aviso obrigatório para usufruto das férias. A lei indiana
também obriga as empresas a dar o mesmo destaque para os grupos sociais
na publicidade e propaganda.
Na
Malásia, as ações afirmativas começaram nos anos 40, quando o país
ainda era colônia britânica. Elas beneficiam descendentes dos nativos e à
comunidade “bumiputras”. Ambos os grupos, representam hoje dois terços
da população e ocupam 90% dos postos púbicos.
Na
Nigéria, as ações afirmativas foram implementadas durante a elaboração
da primeira Constituição do País, em 1979. Tida como instrumento do
governo para aperfeiçoar o processo de independência do país (antes, uma
colônia britânica), seu objetivo é criar uma representação proporcional
às etnias, religiões, regiões e distintos idiomas. Hoje, cada um dos 36
estados nigerianos participa com 2,75% do serviço público federal,
enquanto cerca de 1% se constitui de pessoas do Distrito Federal onde se
encontra a capital, Abuja.
Na
África do Sul, finalmente, a ação afirmativa inclui raça, sexo e
pessoas com deficiência. No período do apartheid, 90% do funcionalismo
público era constituído por brancos. Em 1995, um ano depois de Nelson
Mandela ser eleito presidente, foi criado o “Documento Branco sobre a
Transformação dos Serviços Públicos” que incluiu as seguintes
determinações: no prazo se quatro anos, todos os departamentos públicos
deveriam ter 50% de seu pessoal de raça negra; no mesmo período, pelo
menos 30% das novas contratações deveriam ser de mulheres; e no período
de dez anos, pessoas com deficiência deveriam ocupar 2% do serviço
púbico.
Alceu Nader
Fonte: PT NO SENADO
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